Os
afectos constituem a nossa maior riqueza. As pessoas existem para serem amadas
e as coisas para serem usadas. A sociedade de consumo, na sua versão radical
actual fomenta exactamente a atitude contrária, usar as pessoas e amar as
coisas. Entre estas, a que deve ser venerada acima de tudo é o dinheiro, o que
conduz a um “descalabro” na “hierarquia de valores” em qualquer sociedade tal com
está a acontecer agora em Portugal.
O
poder do dinheiro permite que se levem a cabo as maiores malfeitorias, com a
maior das impunidades. E os detentores desse poder sabem-no muito bem quando
atropelam as leis sem receio de qualquer castigo. Os direitos das pessoas em
situação de fragilidade são pisados a cada momento e os exemplos abundam como
aquele
que é citado pelo JN de ontem em que, após o despedimento de cerca de
20 trabalhadores de uma fábrica de calçado, a administração da empresa
pretende que os restantes façam mais duas horas por dia…
Enquanto
se insistir no primado das coisas – em especial o dinheiro – em detrimento das
pessoas, o mundo não terá sossego.
O
texto seguinte é um artigo de opinião (*) muito crítico em relação à situação
que se vive actualmente em Portugal e foi transcrito do Diário de Coimbra da
passada sexta-feira.
As
pessoas são o trabalho, a família, a saúde, a instrução, a justiça, a cultura,
o lazer, a participação cívica e o mais que cada um pode acrescentar.
As
coisas são apenas o que não tem vida, o que não faz sentido sem o sentido que
as pessoas lhe dão.
Dentre
as coisas avulta o dinheiro, como essencial ao que cada um precisa, mas como
acessório o que é excesso.
Vem
isto a propósito do descalabro em curso na hierarquia de valores na sociedade portuguesa.
O excesso, que devia ser acessório, passa também a principal, concedendo poder
na directa proporção da quantidade do excedente. Chamamos-lhe “o poder do
dinheiro”.
Instalada
a crise económica, os seus causadores e os gestores subsequentes exploram-na
até à exaustão.
À
míngua de autocrítica pelos responsáveis sobre as politicas erradas
prosseguidas, enchem os cidadãos de sentimentos de culpa por associação da
crise ao excesso continuado de gastos de dinheiros com o custeio do que às
pessoas importa.
Mobilizam
os melhores profissionais de informação e propaganda para o efeito. Fica aberto
o caminho psicológico para a acrítica e desanimada aceitação do único remédio
adoptado e apregoado como possível, o corte, compressão e desqualificação do
que às pessoas é essencial, do que define o que as pessoas são.
De
repente nada é mais o que era, como o trabalho digno e adequadamente
remunerado, a importância da família, a saúde e instrução adequada para todos,
ou a justiça próxima e eficaz.
A
cultura e o lazer, realidade para apenas alguns, passam a miragens para os
demais.
Tomado
o remédio, torna-se inevitável que a prioridade seja sobreviver.
E
aí emerge a coisa das coisas, o dinheiro.
Ao
primado da pessoa agiganta-se o primado do dinheiro.
Aqui
chegados porque já aqui chegamos, não espanta então que nestes últimos anos já
tenhamos em Portugal menos nascimentos que mortes.
Quem
pode ter filhos numa sociedade assim?
Alarma-se
agora o Governo! Cria comissões e encomenda estudos para promover a Natalidade.
Deseja-se
que perceba bem que não serão umas quantas medidas avulsas que solucionarão o
problema de fundo.
Se
não arrepia caminho nos cortes, compressão e desqualificação do que às pessoas
é essencial, mormente no trabalho e na qualidade de vida, não chega lá.
Porque
foi aquele caminho que criou as condições psicológicas para que alguns,
bastantes, dos que estão na posição de pagar trabalho, exijam, em
contrapartida, que as mulheres se comprometam, até por escrito, a não engravidar,
sob pena de perda ou não acesso ao emprego, que trabalhem com horários mínimos,
nas não máximos, que estejam permanentemente disponíveis para a mobilidade
geográfica ou para a prestação de trabalho.
Ter
filhos assim, como?
Se
se pretende inverter a curva descendente da natalidade, então há muito a mudar,
mormente na legislação laboral, pública e privada, mas em sentido contrário ao
dos últimos anos.
Quem
quer mudar não pode. Quem pode quer?
(*) Amaro Jorge, Presidente do Conselho
Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados
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