Vem
de longe a contestação estudantil ao pagamento de propinas no ensino superior.
Ao
contrário do que vem reconhecido na Constituição da República Portuguesa que
consagra uma igualdade de acesso ao ensino tendencionalmente gratuito,
passou-se para uma situação quase oposta em que a frequência do ensino superior
passou a ser tendencionalmente paga. Entrámos, pois, num processo cuja orientação
conduz a uma limitação óbvia para os estudantes de fracos recursos acederem ao
ensino universitário.
É,
pois, muito bem-vinda a baixa das propinas acordada com o Governo pelo Bloco de Esquerda para ser inserida no Orçamento do Estado de 2019 ainda que se deva ter
em conta que este deve ser um primeiro passo no sentido da sua eliminação total.
Muito
interessante é o texto seguinte que transcrevemos do “Público” de ontem e que
constitui um artigo de opinião assinado por Fernando Teixeira.
É
um passo significativo para a democratização do ensino superior, este da descida da propina,
e constitui o resultado de muita luta estudantil que nunca cessou, apesar de
todos os discursos das inevitabilidades. Não pode, porém, ser um motivo de
festejo eufórico por parte dos estudantes.
É
por demais evidente que a luta anti-propinas nunca foi entendida por quem agora
desce o seu valor — e convém dizer que foram os mesmos que a colocaram em
subida vertiginosa nos anos 90. Será sensato acautelar o facto de que um valor
que esteja em determinado momento susceptível de descida pode, num outro, ser
alvo de subida. É esta a realidade que os estudantes querem ver alterada, no
sentido de não serem admitidas surpresas que os venham a penalizar no futuro.
Quando digo que esta luta nunca foi entendida, digo-o porque, mais do que o
valor da propina, o que sempre esteve em causa foi a sua existência, o significado
ideológico e o que representa na vida democrática do ensino em Portugal.
A
propina nasce no enquadrar do ensino numa lógica de utilizador pagador, onde um
serviço é prestado mediante uma contrapartida pecuniária. Esta lógica, que mais
não é do que a lógica do mercado de capitais, tem turvado a visão dos
sucessivos governos que teimam em não considerar o ensino superior como uma
responsabilidade sua e, com numerosas tentativas de auto-desresponsabilização,
tentam a transformação de universidades em fundações, ou, como agora se diz: em
business
schools.
É
importante perceber que o problema das propinas é indissociável da raiz e do
fundamento de um ensino superior público, democrático de qualidade e para
todos. Mais do que a sua redução, é importante eliminar esta taxa do
vocabulário nacional, porque ela constitui um limite, um entrave ao ensino
superior, entrave esse baseado única e exclusivamente nas condições sócio
económicas das famílias portuguesas.
A
Constituição da República Portuguesa consagra um ensino democrático, de acesso
igual e tendencialmente gratuito, o que não se compagina com a existência de
uma propina que limita propositadamente o acesso ao mesmo. Mas, mais do que
limitar, perpetua a condição socioeconómica de quem não tem poder económico
suficiente para adquirir uma formação social, comprometendo assim a mobilidade
social e o esbatimento das desigualdades entre classes.
Quero
salientar que esta redução do valor das propinas não pode deixar se ser vista
como um passo positivo. No entanto, está longe de ajudar na materialização
prática dos comandos constitucionais, que aponta para um ensino superior
diferente, numa sociedade, também ela, diferente.
A
luta pelo fim das propinas é tão antiga quanto as próprias e não deixará de
existir enquanto aquelas não sucumbirem para dar lugar a um ensino superior
justo. Acredito que será possível uma universidade sem classes, onde não
existam lugares reservados nem preconceitos económicos.
Em
suma, a propina é um mal em si própria, está errada e não deveria existir. Num
país democrático, a igualdade não paga imposto.
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