(…)
As perdas de colheitas de arroz, batatas e
soja, entre outras, levaram a uma subida de preços da comida, acompanhando a
crise de custo de vida generalizada.
(…)
Estes factos já nem sequer são negados, mas
normalizados e desligados da sua origem: a queima de combustíveis fósseis cujo
aumento continua a ser promovido em todo o mundo.
(…)
[Aliás, a queima de combustíveis fósseis é
promovida] pelos decisores políticos e económicos.
(…)
Este é o ano em que vemos uma grande ascensão
da extrema-direita, cujo programa já é transversal em quase todo o
establishment político.
(…)
Até este momento o programa de extrema-direita
está a “ganhar” de forma total, embora saibamos que essa vitória significa o
colapso da civilização.
(…)
Portugal, como o continente europeu, precisa de
cortar radicalmente emissões de gases com efeito de estufa.
(…)
Governantes e empresas lançam novos projetos
para aumentar as emissões.
(…)
[Temos] mais de 16 mil kilómetros de estradas
contra perto de 3 mil de ferrovia.
(…)
O projeto do aeroporto de Lisboa, como outras
fábricas de morte que operam por essa Europa fora, terá de ser travado.
(…)
Na Europa, o anúncio desesperado de tentar
constituir uma espécie de linha vermelha à extrema-direita por parte do centrão
europeu com o apoio da esquerda não passa disso: desespero.
(…)
O Partido Popular Europeu já integrou
amplamente as medidas essenciais dos dois grupos de extrema-direita ECR e ID.
(…)
Socialistas Democratas no Parlamento Europeu
apoiam a política migratória de extrema-direita.
(…)
O programa de capitalismo pintado de verde
aprofunda a crise climática e ambiental e é apoiado por todo o centrão.
(…)
Que espécie de alternativa espera [a esquerda]
construir ao aceitar uma linha que desenha uma aliança que inclui o colapso
climático?
(…)
As sondagens europeias deixam poucas dúvidas
sobre o resultado: bem-vindas a uma Europa cuja representação política será
maioritariamente negacionista climática, maioritariamente racista, sexista,
anti-LGBT, militarista e autoritária.
(…)
Esta guerra [que o capitalismo declarou à
sociedade] terá de ser travada por uma política popular nas ruas.
João Camargo, “Expresso” online
Temos assistido a esta inversão de palavras, de
conceitos, de práticas de várias formas.
(…)
Um dos exemplos mais emblemáticos é o da
palavra woke, que surge inicialmente em movimentos antirracistas.
(…)
[woke]
foi subvertida numa palavra com uma conotação negativa pela extrema-direita,
direita e uma parte da esquerda.
(…)
O “wokismo”, tal como a fantasiosa “ideologia
de género”, transformou-se assim numa ideologia caracterizada como perigosa.
(…)
No
contexto da guerra genocida de Israel contra o povo palestiniano, esta inversão
é recorrente a vários níveis, um das mais perturbantes é a crítica indignada do
slogan “From the
River to the Sea” como sendo um cântico nas manifestações que defende o desaparecimento
de Israel.
(…)
Não
são cânticos, é fome, sede, mutilações, queimaduras, pessoas enterradas vivas,
assassinatos, bombas, destruição de casas, museus, bibliotecas, universidades,
escolas, tendas, etc.
(…)
Outra
inversão surpreendente é a de chamar radicais ou extremistas a quem se
manifesta contra um genocídio, contra um massacre abominável de crianças.
(…)
Quem
reage a estas imagens e grita para que este horror cesse não é uma pessoa
radical ou extremista, é uma pessoa humana, que está no lado certo da História.
(…)
Pensamos
que a neutralidade, o silêncio é a atitude moderada face aos problemas do
mundo, e, no entanto, o silêncio tem consequências dramáticas.
(…)
Em matéria de genocídio, de massacre de
crianças, não há silêncios inocentes.
Luísa Semedo, “Público”
(sem link)
Uma preocupação atual é o putativo perigo das
redes sociais para a propagação de desinformação.
(…)
Como é sabido nessa área [redes sociais], os
casos de desinformação com maior repercussão são propagados pelos meios de
comunicação convencionais.
(…)
É
natural os políticos e governos fazerem o enquadramento dos assuntos de forma a
canalizar a opinião da população para os seus interesses.
(…)
Quando
os meios de comunicação o fazem sem base factual, perdem legitimidade enquanto
"quarto poder independente", reduzindo-se a agentes de propaganda do
poder oficial. Infelizmente esse enquadramento é mais a norma do que a exceção.
(…)
A
situação no jornalismo português fica ainda pior dada a facilidade de propagar
notícias do estrangeiro sem confirmação direta das fontes.
(…)
Dados
os recursos limitados do jornalismo convencional nacional, a tentação de passar
noticias desses canais sem comprovar a fonte será forte.
(…)
[Este
jornalismo] é potencialmente mais nocivo na transmissão de desinformação do que
as redes sociais, porque parte da autoridade ainda reconhecida aos media convencionais.
(…)
Tratando-se
do sistema académico americano que integro há mais de 30 anos, foi deveras
frustrante ver a retransmissão de desinformação sobre o assunto [guerra em
Gaza], em Portugal.
(…)
Fui vendo os alunos das nossas universidades
retratados como uma elite radical, preocupando-se caprichosamente com uma
guerra distante.
(…)
O
problema é que o enquadramento falso dos alunos como elitistas radicais fica
assim lançado na discussão do assunto em Portugal com a autoridade de um jornal
importante [como o “Público].
(…)
O enquadramento dos protestos baseou-se noutras
narrativas falsas, algumas das quais projetadas da realidade portuguesa para a
americana.
(…)
Nas
minhas aulas tenho frequentemente veteranos (feridos física e emocionalmente)
dessas guerras [Vietname e Médio Oriente], na sua maioria começadas sobre
premissas falsas fabricadas com ajuda dos media
convencionais.
(…)
Israel
é o maior beneficiário de fundos dos EUA — só este ano foram aprovados 14 mil milhões acima dos habituais 4 mil
milhões anuais.
(…)
O que acontece em Gaza é da absoluta
responsabilidade do contribuinte americano.
(…)
É precisamente por causa do dinheiro investido
em seu nome que os alunos [americanos] protestam (impostos, propinas e
património universitário).
(…)
Em democracia não é capricho exigir que o
dinheiro de todos seja investido de acordo com os seus valores.
(…)
Os protestos da universidade de Columbia (os
primeiros) são organizados por uma coligação de 116
grupos com visões distintas.
(…)
No
final das contas, o enquadramento destes protestos usa desinformação para
ofuscar o facto que os protestos de alunos americanos têm sempre estado do lado
certo da história — é isso que assusta o poder e a sua geração.
(…)
Alguém acha hoje que a guerra do Vietname foi
uma boa ideia?
(…)
Os protestos estudantis foram fundamentais para
acabar com a segregação racial.
(…)
Foram
também os protestos de alunos nos anos 80 que levaram a universidade de
Columbia a ser a primeira a desinvestir do regime de apartheid na África do Sul.
(…)
Tal
como nesses momentos de protesto, é provável que estejamos realmente numa
encruzilhada da História em que são os alunos a mostrar o caminho da decência.
(…)
Se os media convencionais não quiserem desaparecer (…) têm
de funcionar como um quarto poder legítimo, e não como mecanismo de propagação
da propaganda do poder vigente.
Luís M. Rocha, “Público”
(sem link)