Depois de ter condenado de forma clara o Hamas (…) e
exigindo a libertação dos reféns, António Guterres falou da ocupação de
terras por colonatos, da violência quotidiana, da economia sufocada (…) para
explicar como a esperança dos palestinianos numa solução política foi
desaparecendo.
(…)
[Quem tenta obliterar do espaço público a complexidade deste
conflito] deseja construir um muro de silêncio entre a opinião pública e
a criminosa chacina em Gaza.
(…)
Deseja aproveitar o abjeto massacre do Hamas para um “momento
zero” que apague o passado, dando a Israel carta-branca para o presente e para
o futuro.
(…)
Ativistas [israelitas] foram detidos por colocarem cartazes com a
frase “judeus e árabes, vamos ultrapassar isto juntos”.
(…)
Há detenções, despedimentos e agressões contra quem se desvie da
política do ódio.
(…)
Como poderiam dissidentes internos escapar quando António Guterres
já é apoiante do Hamas e Greta Thunberg antissemita?
(…)
A onda censória também é ativa no exterior.
(…)
Em Portugal, o embaixador israelita que negou a existência de uma
crise humanitária em Gaza lançou uma perseguição a Paddy Cosgrave, seguida por
empresas com um pouco abonatório currículo na defesa dos direitos humanos, como
a Meta.
(…)
Nos EUA, grandes empresas prometeram não contratar estudantes que
tornaram públicas posições que lhes desagradam.
(…)
Estamos perante um novo macarthismo que usa o poder de empresas
para esmagar o pluralismo e a liberdade.
(…)
Na cultura, Adania Shibli não foi o único alvo.
(…)
A Liga Antidifamação até se queixou da exibição televisiva dos
escombros de Gaza, perguntando se era o Hamas que escrevia o guião da MSNBC.
(…)
[Há] uma tentativa de criminalizar mínimos de humanidade,
invisibilizar a barbárie e desumanizar as suas vítimas.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
António Guterres fez uma declaração
histórica no Conselho de Segurança da ONU, esta terça, 24 de Outubro.
(…)
Não porque a verdade do que disse seja radical,
mas porque se tornou radical dizer aquela verdade.
(…)
Guterres surpreendeu quem não esperaria tanto
do secretário-geral.
(…)
[Israel
exigiu] a demissão de Guterres e anunciando que vai recusar vistos à ONU,
porque “chegou o momento de lhes dar uma lição”.
(…)
Eis o
estado a que chegou Israel. A supremacia de quem se acha acima da lei
humanitária e internacional. De quem se acha acima das Nações Unidas.
(…)
O discurso de terça faz dele [Guterres] o líder
contra a barbárie.
(…)
Não falhar de novo é apoiar Guterres agora.
(…)
[A
assistência humanitária] urge agora que 2,3 milhões continuam sob bombas, com
fome, sede, milhares no chão de hospitais em colapso, operados sem anestesia.
6500 mortos, 2000 dos quais crianças.
(…)
Nunca
precisámos tanto de jornalismo ali. Não é uma catástrofe natural. É a violência
de um Estado sobre um povo sem Estado.
(…)
Israel
bombardeia escolas, hospitais, a mais antiga igreja de Gaza. Ordena que um
milhão fuja para sul, depois ataca o Sul.
(…)
Horas para arranjar água potável ou pão. Tendas
e gente ao relento sob bombas.
(…)
Mais
de dois milhões reféns em Gaza. E quase três milhões na Cisjordânia, agora
também bombardeada com drones, além dos ataques dos colonos.
(…)
Ao falar por eles, Guterres falou por nós: que
é urgente um cessar-fogo, que Israel viola a lei humanitária internacional.
(…)
Israel
recolheu-se na dor dos seus 1400 mortos, na angústia dos seus 220 reféns, da
orgia de sangue agora reproduzida em múltiplos vídeos que as autoridades
distribuem aos media.
(…)
Não em nosso nome, declaram milhares de judeus
fora, sobretudo nos EUA.
(…)
Que
cada um dos 220 reféns do Hamas se salve. Têm Israel, Biden, UE e parceiros a
lutar por isso, e ainda bem. Guterres também o pediu.
(…)
Mas até ele falar agora, quem com poder falara
pelos milhões de palestinianos reféns de Israel há décadas?
(…)
Há um
par de dias, Obama criticou o corte de água, comida e energia, a desumanização
dos palestinianos que endurece gerações.
(…)
Mas foi Guterres quem deu o salto em frente.
(…)
Que a Europa se pergunte: se fossem cristãos,
judeus, brancos, já apelaria ao cessar-fogo?
(…)
Zero tolerância para anti-semitismo vai a par
com zero tolerância para qualquer racismo.
Alexandra Lucas
Coelho, “Público” (sem link)
A
democracia, o multilateralismo, o direito internacional, o progressismo, o
respeito pelo outro, a liberdade de expressão, a liberdade em si, tudo isso
pende do precipício como um edifício inseguro para a vida humana.
(…)
Nunca tanto conhecimento esteve ao alcance de
tantos e nunca tanto foi tão desperdiçado.
(…)
Quanto
maior o ignorante, maior a vontade de ter a sua voz ouvida, e não uma voz
qualquer, uma taxativa, absoluta, impenetrável e indefectível.
(…)
O
consenso, a construção de pontes, a moderação são alvos permanentes; o outro é
um inimigo, logo, os seus argumentos não devem ser ouvidos, transmitidos,
entendidos.
(…)
Para
os israelitas, todas as vítimas atacadas pelo Hamas têm rosto, narrativa; os
palestinianos que são pulverizados pela artilharia em Gaza, não.
António Rodrigues, “Público” (sem link)
A União Europeia e outros países europeus resvalaram para
envolvimento ativo no belicismo.
(…)
Discernir sobre os agressores e os agredidos, tratando-os de
forma bem distinta, é imprescindível.
(…)
[O belicismo é] fazer leituras a preto e branco e só dar
espaço a ser por mim ou contra mim, para justificar a guerra.
(…)
É impor apenas duas leituras possíveis sobre cada situação: a
do “Bem” (que é a do nosso grupo); e a do “Mal” (que é a do inimigo).
(…)
Ao persistirem no belicismo, há países que podem tornar-se
inviáveis.
(…)
Os direitos sociais universais (na saúde, ensino, proteção
social, justiça, habitação) estão a ser reduzidos a “esmolas” e a serviços
mínimos.
(…)
Os direitos do trabalho e os salários regridem, ampliando as
injustiças e, por consequência, o alimento das guerras.
(…)
No plano das liberdades e garantias, elementos estruturantes
das sociedades democráticas, os rombos são talvez ainda mais acelerados. A
censura aí está em força.
(…)
Na Alemanha e noutros países, participar em manifestações de
defesa da vida e de solidariedade humana pode ser razão para perseguições e
prisão.
(…)
Os Estados Unidos da América podem contribuir para a
resolução daquele conflito. Todavia, tem algum rigor tomar aquele país por ator
neutro nesse conflito [entre Israel e o Hamas]?
(…)
A democracia na Europa ganharia muito se os líderes europeus
o ouvissem [Guterres] e abandonassem seguidismos em que andam metidos.
Carvalho da Silva, JN