O som da alcateia
A dupla Sócrates – Finanças entrou-nos em casa no entardecer do dia 29 de Setembro sem que a tenhamos convidado. Descarregou de uma assentada as ordens recebidas da Chanceler.
Os países em amável contiguidade europeia convenciam-nos do mérito da ordem continental. Falavam de uma específica cidadania, todos cidadãos de um território comum. Às vezes do discurso até soltavam uma ou outra coisa bonita.
Aliás bastava ver o telejornal para assistir aos sorrisos convictos e ao aprumo elegante dos governantes em parada. Parecia que eram todos iguais, e que as leis que engendravam não continham a fúria do poder, nem a agonia dos destinatários. Leis sólidas e supostamente solidárias encaminhavam-nos para o triunfo da prosperidade.
Tudo isso foi ontem, ou talvez anteontem.
Como um corpo indefeso que não resiste à investida de uma doença, assistimos e pagamos agora o declínio. A crise. Recebemos ordens de quem dá ordens. Cumprimos obediências.
A obediência tem garras possantes, perfurantes, que nos espetam a cabeça por dentro. De vez em quando como efeito secundário gera a culpa, a grande aliada de todos os sentimentos temerosos. A obediência tem uma cauda enorme que arrasta por todo o lado, deixando o usuário obediente, transmutado em cão domesticado. A obediência suga o poder, melhor dizendo, a capacidade de ter poder. Os povos obedientes, aqueles que interiorizaram a obediência como coisa benigna, assumem sempre uma forma animal, com os olhos acossados, medrosos e bovinos a olhar de lado porque a obediência não se dá com a frontalidade. Os melhores povos são os que se estão positivamente nas tintas para a obediência. Não é obviamente o nosso caso.
Vem tudo isto a propósito do novo PEC obediente.
A dupla Sócrates – Finanças entrou-nos em casa no entardecer do dia 29 de Setembro sem que a tenhamos convidado. Descarregou de uma assentada as ordens recebidas da Chanceler.
Há como que uma passagem secreta na acústica europeia. A Chanceler fala e o som reproduz-se cá em tradução simultânea, a que por vezes se junta alguma poesia adicional para prova provada da vassalagem.
A selvajaria, a violência, a intensidade das medidas decretadas, sofregamente engolidas e apreciadas pelos seminaristas comentadores, configuram uma verdadeira notificação para o caos.
Sócrates e Teixeira dos Santos são os grandes solicitadores de execução das ordens da matilha para a prática sacrificial anunciada.
Aparecem aos microfones e graves e sucintos declaram, vai ser assim. Lamentamos, não queríamos, mas tem de ser.
Vivemos num país de absurdos. A direita oposicionista critica as medidas que sempre reclamou. Entoa afinadamente a canção do bandido feita de promessas magníficas. Os socialistas aplicam as medidas que outrora criticaram com a veemência em que são peritos. Estão cada vez mais cinzentos de dedo murcho e nervoso a votar abstenções a direitos humanos essenciais, como no protesto contra a expulsão cigana decretada pela França alarve de Sarkozy. Com o mesmo dedo apoiarão as medidas alemãs deste Sócrates português.
A esquerda é vituperada pelos papagaios oficiais e oficiosos como se fosse demente quando recusa a lógica do labirinto em que os perdidos nos tentam mostrar a saída, como se houvesse uma saída para as linhas estreitas em que os bancos, os amigos dos bancos, os governos, os amigos dos governos e outras criaturas de olhar vazio nos incluíram.
Assistimos quarta feira a mais um capítulo do desnorte, servido com a altivez pesada dos culpados que fazem o mal e a caramunha, dos caçadores que culpam a natureza quando deixa de haver caça e a caçada deixa de ser festa para ser sobrevivência. A sobrevivência da depredação.
Políticos e financeiros juntos e ao vivo.
Transportam a fatalidade dos jogadores sem princípios.
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