segunda-feira, 21 de março de 2016

A SITUAÇÃO DA IMPRENSA EM PORTUGAL


O texto seguinte faz parte de um artigo de opinião que procura identificar algumas “causas do fraco desenvolvimento da imprensa em Portugal”, curiosamente um tema pouco debatido e quase desconecido ente nós. Segundo o autor do artigo (*), as causas mais remotas têm a ver com o factor religioso e com a existência de “longos períodos de censura severa”. A acrescentar a estes factos, sublinham-se “duas fraquezas no atual panorama da imprensa diária portuguesa”: “a manifesta inércia dos editores” e a “quase total letargia do meio profissional jornalístico”.
Talvez a influência da imprensa na crise que actualmente assola o Brasil tenha sido o motivo mais próximo para a elaboração deste artigo e, por isso mesmo, o interesse que pode justificar a sua leitura.
É fácil identificar algumas das causas do fraco desenvolvimento da imprensa em Portugal. Começando pelas razões históricas, a primeira das quais é a pertença do país à Europa católica. Porque, um século depois da “descoberta” da prensa tipográfica (em 1440-50), a Reforma protestante e a Contra-Reforma católica adotam posições opostas no que diz respeito à leitura. No mundo protestante, o “povo de Deus” tem por obrigação ler a Bíblia e os textos sagrados: a alfabetização é fomentada e os indivíduos passam naturalmente à leitura de outros textos. No mundo católico, pelo contrário, o clérigo é o intermediário entre Deus e o “povo de Deus” : só ele tem necessidade de saber ler para aceder aos textos religiosos que são explicados ao “povo de Deus”. A imprensa vai pois desenvolver-se antes do mais na Europa protestante. Até porque, se em fins do século XVII encontramos na Alemanha populações já globalmente alfabetizadas, na Europa do sul, católica, um analfabetismo importante perdurará três séculos depois: no caso português a taxa de analfabetismo é de 25,7 % em 1970 e ainda de 5,2 % segundo o censo de 2011.
Como se esta “deficiência original” não bastasse, a imprensa em Portugal conheceu longos períodos de censura severa que a descredibilizaram e que em nada ajudaram ao aparecimento de um jornalismo de qualidade em termos de rigor dos factos, agudeza da interpretação e excelência da análise da atualidade. E se o 25 de Abril de 1974 lhe permitiu (re)descobrir a liberdade de informar, o radicalismo das opções político-económicas e socioculturais em que Portugal viveu então deixaram claramente marcas tenazes pouco gloriosas na prática jornalística atual. Só que, aquando da (re)descoberta desta liberdade pela imprensa, a televisão invadia os lares e impunha-se progressivamente como média de informação dominante. Pelo que a imprensa entrou numa fase de acentuada erosão: hoje em Portugal publicam-se bastante menos diários impressos do que no tempo do salazarismo e vendem-se provavelmente muito menos exemplares de jornais diários do que antes do 25 de Abril.
Há porém duas fraquezas no atual panorama da imprensa diária portuguesa dificilmente compreensíveis. A primeira é a que diz respeito à manifesta inércia dos editores, incapazes de tirarem proveito da revolução tecnológica em curso de há dois decénios a esta parte. Não adotando rapidamente as iniciativas indispensáveis a uma mais acelerada passagem do papel impresso para a informação em linha. Não criando edições regionais em linha dos seus jornais, de modo a sair de uma informação “guetizada” e largamente centrada sobre a “grande Lisboa”. Não concebendo os seus jornais numa perspetiva global, dirigindo-os aos leitores em língua portuguesa onde quer que eles vivam no mundo, propondo-lhes nomeadamente uma perspetiva europeia da atualidade. Quando, sem um alargamento considerável das audiências atuais, não poderão haver receitas de vendas e de inserções publicitárias suficientemente importantes para cobrir os custos de produção.
Mas há outra incógnita ainda maior: a da quase total letargia do meio profissional jornalístico. Como é possível que num meio onde passaram a predominar os licenciados e mestres em “jornalismo” ou em “comunicação” de escolas superiores (seja qual for a apreciação que se possa fazer sobre o ensino que nelas é dispensado…) mas também os desempregados, não surjam iniciativas em matéria de diários digitais em linha? Como explicar que tenham sido tomadas imensas iniciativas deste género em Espanha e em França, para falar apenas nos países mais próximos, e que Portugal continue a caracterizar-se por uma situação muito próxima do deserto? Será necessário lembrar a estes jornalistas afastados da atividade profissional que os custos de lançamento e de manutenção de tais iniciativas são sem comparação com os de um diário impresso?
É verdade que o Estado português não tem assumido as suas responsabilidades em matéria de favorecimento do pluralismo da informação. E que os meios políticos, económicos, sociais e culturais parecem secretamente sonhar com uma sociedade democrática de fachada onde todo e qualquer controle seja reduzido a pura expressão formal. Quando, como a História mostra suficientemente, a dinâmica de uma sociedade está diretamente ligada à da sua informação pluralista. O que supõe, é verdade, jornalistas conscientes da função social que é a sua e decididos a assumi-la, tomando o seu destino em mãos...
(*) J.M. Nobre-Correia, Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles, Público

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