domingo, 27 de agosto de 2017

HÁ CUMPLICIDADE OCIDENTAL NA ACÇÃO DO TERRORISMO ISLÂMICO


A imprensa de hoje faz-se eco da manifestação que ontem teve lugar em Barcelona, contra o terrorismo, depois dos atentados da semana passada que causaram (até ao momento) 15 mortos e mais de 120 feridos, numa iniciativa onde, pela primeira vez, esteve presente o rei espanhol, a par de cerca de meio milhão de pessoas.
O lema da manifestação foi “não temos medo” mas não tenhamos a mais pequena dúvida de que foi o medo que fez juntar cerca de 500 mil pessoas.
Sempre que há um ataque terrorista no mundo ocidental, levado a cabo por radicais islâmicos, ouvem-se e lêem-se comentários muito variados na imprensa falada e escrita mas, na maior parte dos casos, a superficialidade do que é afirmado constitui a tónica dominante. Fica assim a sensação de que o mais importante não foi dito para explicar como se chegou à situação actual.
O excelente artigo de opinião de Manuel Loff no Público de ontem, que reproduzimos a seguir, traz à luz alguns factos fundamentais que dão uma forte ajuda para compreendermos por que razão ainda não foi possível derrotar ou, pelo menos, reduzir significativamente o perigo representado do terrorismo islâmico.
Um ataque ao "nosso modo de vida", o modo de vida "ocidental". Este foi o discurso que tomou conta dos media a propósito do atentado de Barcelona. É curioso que no-lo expliquem assim. Antes de mais porque são os governos ocidentais (e Israel, e a Rússia, e a Índia...) que asseguram desde há anos que estamos em "guerra", no que em tudo coincidem com os jihadistas que têm matado gente, cidadãos comuns, em ruas, aeroportos, comboios... Ora todas as guerras, desde pelo menos a guerra de Espanha, são feitas antes de mais de violência deliberadamente aleatória sobre não combatentes, a população civil. Ainda por cima, Barcelona é uma daquelas raras cidades que se já visitou ou que se gostaria de visitar e todo o horror de nós se aproxima quando, como me aconteceu, temos amigos que, de passagem por Barcelona, como milhares de outros, passeavam pelas Ramblas e por pouco não foram apanhados, outros que na cidade vivem e que, trabalhando em hospitais, tiveram de tratar das vítimas. Se subscrevermos esta tese de que o que nestes atentados se agride é o "nosso modo de vida" (como se ele fosse feito, como gostaríamos, de coexistência na diversidade étnica e cultural em plena liberdade e igual dignidade), até nós embarcamos na mistificação de que estamos em guerra - isto é, nós, os cidadãos comuns que, aqui como na Síria, no Iraque ou no Iémene, pagamos o preço da violência, e não apenas essa clique de governantes, militares, serviços secretos e comentadores do "choque de civilizações". Esses, sim, declararam guerra ao que julgávamos ser o "nosso modo de vida", pretextando a segurança antiterrorista para nos vigiar e controlar, para substituir bem estar social por um quotidiano de armas, medo, manipulação e guerras intermináveis em nosso nome.
Esta retórica do Ocidente invejado e permanentemente ameaçado, tão velha quanto velha foi a aventura colonial, deveria presumir uma guerra sem quartel contra quem alimenta este fanatismo violento. Nos discursos oficiais é o que se nos diz. E contudo... E contudo hoje mesmo, em Barcelona, o Rei de Espanha presidirá à manifestação de solidariedade com as vítimas de um atentado perpetrado por salafistas há anos massivamente apoiados pela Arábia Saudita com cuja família real os Borbons, desde o início do reinado de Juan Carlos, mantêm uma "profunda e duradoura amizade". Ao seu lado, estará Rajoy, sob cujo governo a Espanha passou a ser o 3.º vendedor de armas aos sauditas (Público.es, 24.8.2017).
Não saberá o governo espanhol com quem lida? Claro que sabe! Há muito que todos sabem dos laços entre membros do governo e da família real saudita com a al-Qaeda desde o 11 de setembro - e hoje com o Estado Islâmico (EI). O pouco que se divulgou das investigações do próprio Congresso dos EUA é mais do que suficiente para o comprovar. Isso não impediu que Obama vetasse há um ano a resolução do Congresso que teria permitido às famílias das vítimas do 11 de setembro processar o governo saudita pelas suas "ligações" com os terroristas (Politico, 22.9.2016). Ou que Hillary Clinton que em 2014, pré-candidata presidencial, se mostrasse preocupada com as provas do apoio do Qatar e dos sauditas ao EI, sem que, contudo, isso impedisse a Fundação Clinton de receber, segundo a própria, 10 a 25 milhões de dólares do governo saudita e que o do Qatar lhe tenha oferecido um milhão só pelo aniversário de Bill Clinton em 2016 (Independent, 4.11.2016). Trump acha que o Qatar “tem sido historicamente um financiador do terrorismo ao mais alto nível” - e bate recordes de venda de armas à Arábia Saudita. Muita clareza, portanto, na defesa dos "valores do Ocidente"!
"Não se arrepende de ter apoiado o integrismo islâmico, de ter dado armas, de ter aconselhado futuros terroristas?", perguntou em 1998 o Nouvel Observateur a Zbigniew Brzezinski (conselheiro de Jimmy Carter para a segurança nacional nos anos 70) a propósito do apoio norte-americano aos talibãs e a Bin-Laden contra os soviéticos no Afeganistão. "Para a história mundial, o que é mais importante? Os talibãs ou a queda do Império soviético? Uns quantos islamistas excitados ou a libertação da Europa Central e o fim da guerra fria?" (Nouvel Observateur, 15.1.1998)
Assim sim, estamos esclarecidos!

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