O que se deu agora foi o contra-êxodo. Meio milhão de
palestinianos dentro de carros, carrinhas, carroças mas sobretudo apeados.
(…)
Cantavam
de alegria, beijavam o chão. Agradeciam ter vivido para voltar. Muitos não
tinham água nem comida, nem pernas para muito. Nem pernas, alguns.
(…)
Todos
viveram um holocausto, ficaram órfãos de alguém, e sabiam que voltavam para a
ruína, da própria casa ou do que havia em volta.
(…)
Hoje
podem [dizer “estou vivo”], dizem, abrem a porta da ruína, montam uma tenda
onde era a casa, respondem a Trump. Não serão “limpos”.
(…)
Egipto e Jordânia não querem dois milhões de palestinianos.
Nem um milhão, nem nenhum. Trump garante que os dobra, aos
egípcios, aos jordanos.
(…)
Nos
últimos dias Steve Witkoff — o magnata do imobiliário que Trump transformou em
negociador tipo máfia (assina o cessar-fogo, para teu bem) — já foi à Arábia
Saudita, a Israel e a normalização está aí a apitar.
(…)
Trump é a própria patente do estrilho para os próximos quatro
anos.
(…)
O seu novo embaixador em Israel diz que não há palestinianos,
nem ocupação.
(…)
A sua nova embaixadora na ONU diz que Israel tem direito
bíblico à Cisjordânia.
(…)
Enquanto
15 reféns já foram libertados em Gaza (incluindo cinco soldadas israelitas),
felizmente muito mais saudáveis do que o mundo imaginava, Israel aproveitou
para arrasar o campo de refugiados de Jenin.
(…)
Milhares de desalojados. Mas além de Jenin, as forças
de Israel têm atacado outras partes da Cisjordânia e Jerusalém Oriental.
Enquanto os colonos tratam de muitas outras, incendiando aldeias, casas,
carros.
(…)
[Dezenas de prisioneiros palestinianos foram
libertados na Cisjordânia] em geral mal-tratados, com marcas de tortura, alguns
lembrando os sobreviventes do Holocausto.
(…)
Quem
conhece a Palestina sabe que o Hamas não vai ser extinto à bomba. Só é possível
esvaziá-lo: se a Palestina for livre.
(…)
Familiares
de reféns israelitas imploram, entretanto, a Trump e ao governo de Israel que a guerra
não recomece até ao último refém ser libertado.
(…)
Destes
15 meses e meio emergiu uma grande maioria, mais clara do que nunca: a dos que
não vêem, ou não querem ver, os palestinianos. Desumanizaram-nos.
(…)
Viram que Israel pode fazer o que quer (…) negar as
evidências de genocídio, torturar nas cadeias, colonizar mais, anexar e
safar-se sem sanções.
(…)
E nos próximos quatro anos Israel tem Trump. Está em
velocidade de cruzeiro na alienação.
(…)
Há a
vergonha em curso, de [Israel] se continuar a fortalecer à custa de ser o mais
forte, enquanto destrói outro povo.
(…)
[A
Europa perdeu a segunda guerra em Gaza] por ter deixado Israel fazer tudo o que
fez desde 7 de Outubro, e por ter colaborado no genocídio mesmo.
(…)
A
Europa que foi gerando o Estado de Israel, pelo anti-semitismo de séculos, pelo
sionismo desde o fim do século 19 e enfim pela sua culpa no Holocausto, é a
mesma Europa que perdeu a guerra nas ruínas de Gaza.
(…)
Os 80
anos da libertação de Auschwitz celebraram-se justamente na segunda-feira em
que meio milhão de palestinianos voltavam a casa — mas não para a liberdade.
(…)
E o que seria preciso dizer nesse dia em relação a Gaza, não
foi dito pela Europa, mais uma vez.
(…)
Salvam-se as excepções do costume. [Para além da
Espanha que anunciou 50 milhões extra para a UNRWA, Alemanha, França,
Reino Unido fizeram uma declaração de apoio à UNRWA, banida por Israel desde
quinta-feira.]
Alexandra Lucas Coelho, “Público” (sem link)
O salário é
a base primordial da sustentação da vida da esmagadora maioria da população.
(…)
Associado a
uma relação de trabalho contratualizada e regulada, torna-se elemento de previsibilidade,
de futuro, para a vida dos trabalhadores e das suas famílias.
(…)
O salário
assegura o acesso ao sistema de segurança social nas dimensões que este garante
enquanto o trabalhador está no ativo, e afiança o direito à reforma.
(…)
O salário
gera, também, pertença a um coletivo de interesses, o das pessoas cujo
rendimento provém do trabalho.
(…)
Foram
precisas muitas e duras lutas, no século XIX e início do século XX, para o
liberalismo aceitar os compromissos inerentes àqueles significados do salário.
(…)
Só perante a
exploração, a violência e destruição das I e II guerras mundiais foi assumido,
universalmente, que “o trabalho não é uma mercadoria”.
(…)
Os liberais
da “modernidade” querem substituir o salário por prémios, por subsídios, por
pretensos benefícios fiscais, em formas várias de prestação de serviços.
(…)
Trata-se da
anulação dos instrumentos de justiça e de dignidade do trabalho criados pelas
sociedades democráticas e progressistas.
(…)
Hoje, os
neoliberais são meros serventuários da especulação financeira.
(…)
Os fundos de
pensões ou as políticas de imobiliário que defendem não são para servir as
pessoas, mas sim para especular.
(…)
As conversas
sobre produtividade, competitividade ou crescimento só são sérias quando
assegurada uma justa repartição da riqueza. Isso impõe respeito pelo conceito
de salário.
Carvalho da Silva, JN
Ainda não passaram duas semanas desde que tomou posse e a
Administração Trump já demonstrou ao que vem.
(…)
[Desta vez os aliados de Trump] estão bem preparados para
cumprir o seu grande objectivo: acabar com o Governo federal.
(…)
A
América e o mundo vão mudar nos próximos quatro anos e o vírus para iniciar a
gangrena das instituições democráticas começou a ser introduzido ainda o
Presidente não tinha aquecido o lugar.
(…)
O que está em curso desde a primeira hora de Trump no poder é
“um assalto” à democracia.
(…)
E a julgar pelos primeiros dias desta nova Administração, o
medo de fazer frente impera.
António Rodrigues, “Público” (sem link)
A ética é a barreira única face à barbárie.
(…)
O Mal dá-se mal com imperativos morais. O Poder dá-se mal com
mundivisões éticas.
(…)
Auschwitz não inaugurou o tempo dos holocaustos. Deu-lhes uma
métrica nova. E uma natureza tecnocientífica e industrial.
(…)
O homicídio em massa não acabou com Auschwitz. Lá fora, o
mundo não permite desmentido.
Manuel
Castelo Branco, “Diário de Coimbra” (sem link)