terça-feira, 28 de novembro de 2017

DEFENDA-SE INTRANSIGENTEMENTE O SNS!



O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é seguramente uma das maiores conquistas do 25 de Abril que os portugueses devem preservar a todo o custo. Por outro lado, como bem sabemos, a saúde é um dos mais apetecíveis negócios do mundo e um dos mais rentáveis.
Não admira, pois, que grandes interesses estejam a investir fortemente nesta área, ao mesmo tempo que dispõem de representantes seus espalhados pelo poder político e que vão minando os interesses da generalidade da população portuguesa, tudo fazendo para que o SNS vá definhando. É, pois, muito importante que se divulguem o mais possível escritos em defesa do SNS como acontece neste artigo do médico Cipriano Justo que transcrevemos do Público de hoje, onde se chama a atenção para uma inadequada acção do Presidente da República em óbvia defesa dos interesses privados na área da saúde.
Quando toma posse, o Presidente da República faz a seguinte declaração de compromisso: “Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.” Considerando que esta declaração não é uma figura de retórica, mas traduz aquilo a que fica comprometido e obrigado a cumprir, o Presidente da República há-de respeitar escrupulosamente, durante o mandato para que foi eleito, o que a Constituição da República consagra.
Já se percebeu que este Presidente da República, em particular, quer habituar os portugueses de que tem uma palavra a dizer sobre todos os assuntos, que nada escapa ao seu escrutínio e ao seu julgamento. É o que tradicionalmente se tem entendido como magistratura de influência, entendida como orientações para o que há-de acontecer, seja qual for a matéria, trate-se do que se tratar. Exemplificando. Ainda a comissão nomeada pelo Governo para elaborar uma proposta na qual se há-de basear o seu projecto de Lei de Bases da Saúde não começou a funcionar, e já o Presidente da República se manifestou, entregando-lhe um caderno de encargos no qual defende que deseja uma “fórmula intermédia”, referindo-se à combinação entre os interesses do sector empresarial da prestação de cuidados de saúde e as obrigações impostas pela Constituição quanto ao direito à protecção da saúde dos portugueses e quem a realiza.
Se bem se entende este propósito, ao introduzir na organização do sistema de saúde a teoria dos dois hemisférios, o hemisfério do sector empresarial privado, em contínuo crescimento, e o hemisfério do sector público, em definhamento constante, o ponto de vista do Presidente da República só é compreensível à luz da defesa de um maior aumento do crescimento do sector empresarial, para que a teoria seja compreensível. É a defesa da figura de sistema de saúde, consagrada pela primeira vez na actual Lei de Bases da Saúde, em vigor desde 1990, em que o Serviço Nacional de Saúde passou a ver-se obrigado a concorrer com o sector privado. Ora o que agora está em jogo, em particular nesta conjuntura política, é o SNS poder retomar o papel constitucional de prestador de cuidados, e não o de evoluir para a função de pagador da produção realizada pelo sector empresarial, como já tem vindo a acontecer.
Ser o Presidente da República a condicionar as regras a que há-de estar obrigada a comissão no cumprimento da missão que lhe foi atribuída é uma exorbitância e uma interferência que deve ser rejeitada, em particular pelos deputados da Assembleia da República, os quais serão os únicos a ter a última palavra sobre esse dispositivo legal.
No entanto, se há aspecto em que o Presidente da República podia ter uma palavra a dizer, era na política de saúde, e não tanto sobre quem deve deter os meios de produção. E na política de saúde, naquilo em que o défice acumulado é gigantesco: a promoção da saúde a prevenção da doença. Percorrer o país de lés-a-lés levando a palavra sobre a importância destas dimensões com resultados tão relevantes para a saúde de todos seria uma contribuição concreta que estaria certamente ao seu alcance. E se o seu desejo de consensos neste sector é tão forte, aceitando este desafio certamente que era capaz de obter melhores e mais úteis resultados.

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