quarta-feira, 8 de novembro de 2017

OS EFEITOS DA ESTRATÉGIA REPRESSIVA NA CATALUNHA


A estratégia usada pelo governo espanhol para contrariar a vontade independentista da Catalunha tem vindo a acumular erros sobre erros e não estamos apenas a falar dos tempos mais recentes. Relativamente a estes, talvez possamos encontrar uma explicação no facto de o partido actualmente no poder em Espanha ter nas suas fileiras o franquismo que aceitou a contragosto o regime democrático. As restantes forças políticas, em especial à esquerda, encontram-se entre a espada e a parede mas, mais tarde ou mais cedo terão de se render às evidências. O que qualquer democrata não pode aceitar é que o exercício legítimo da democracia seja alvo da violência e da repressão como a que está a acontecer na Catalunha, por parte das autoridades espanholas.
O governo autónomo da Catalunha que proclamou a independência, é acusado de violação da Constituição de Espanha e alguns dos seus membros encontram-se presos devido à sua participação nesse acto. Ora, é impensável que em qualquer país democrático, decisões inconstitucionais sejam punidas com a prisão de governantes. É à volta desta ideia e tomando como exemplo as imensas medidas inconstitucionais tomadas pelo Governo PSD / CDS que gira o texto de Francisco Louçã, no “Público” de hoje.
“Lisboa, tantos de tal de 2014 – A crise política portuguesa ganhou novos contornos quando o PSD e CDS emitiram hoje um comunicado conjunto considerando que a prisão sem fiança de Passos Coelho, Assunção Cristas e outros ministros os constituía como ‘presos políticos’. Como é sabido, o tribunal aceitou a diligência do procurador Silva, que acusa os governantes de ‘associação delinquente’, logo depois do seu quarto orçamento retificativo ter sido considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no que respeita ao corte de pensões a pagamento. O magistrado queixou-se de não haver na ordem jurídica a figura de ‘traição à Pátria’ e explicou que só por isso usou a acusação de ‘conspiração’ para ‘defraudar os pensionistas e subtrair-lhes parte da sua pensão’, considerando que, se todos os orçamentos procuraram o mesmo objectivo, ‘conspiração’ é o termo adequado, não havendo a comparável figura da ‘sedição’ da lei espanhola. O pretendente a rei de Portugal condenou no Facebook a forma contumaz de procedimento do governo agora demitido. O governo de Madrid também emitiu um comunicado apoiando a decisão do tribunal português.”
Antes de pensar em manifestar-se contra qualquer coisa, seja a sobreposição da justiça ao resultado eleitoral legítimo, seja a perseguição aos dirigentes da direita por delito de opinião, seja a utilização do processo judicial para resolver questões políticas, atente o leitor que este despacho noticioso nunca poderia existir em Portugal. De facto, os pesos e contrabalanços têm funcionado: enquanto o governo PSD-CDS aplicavam as medidas da troika, parlamentares e mesmo o presidente então em funções enviaram algumas das disposições do Orçamento para apreciação pelo Tribunal Constitucional (e ganharam sempre). Mas as declarações de inconstitucionalidade – mesmo que repetidas, quase sempre para avaliarem medidas com o mesmo objectivo, cortar pensões – só forçaram à correcção dessas medidas do Orçamento. Não houve prisão dos membros do governo, que aliás continuariam nos orçamentos seguintes a buscar o mesmo desígnio. A declaração de inconstitucionalidade pelo respectivo Tribunal é em Portugal uma forma de verificação do exercício dos poderes, não uma forma de instigar a perseguição aos governantes pelos seus actos ou opiniões.
Em Espanha parece haver um entendimento diferente. Membros do governo catalão estão presos e os parlamentares que votaram uma resolução, depois considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, podem também vir a ser presos. Alguns ministros, apesar de se terem apresentado voluntariamente em tribunal, ao contrário de Puigdemont, aguardam julgamento em cárcere. Teremos portanto eleições com alguns dos principais candidatos presos ou ameaçados de prisão.
Há em consequência dois efeitos nefastos desta estratégia repressiva. Um é a instrumentalização e partidarização da justiça, que se condena a si própria. A segunda é a amplificação do risco para Rajoy: se os independentistas ganham a eleição catalã (o PP de Rajoy é cotado em sondagens com menos de um terço do principal partido independentista), a política do tudo ou nada fica sem recuo possível. A haver um dia independência, é a Rajoy e ao rei que a Catalunha deve agradecer.

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