terça-feira, 10 de maio de 2016

OBVIAMENTE É PRECISO PARAR O ABUSO


Alguns anos atrás, um conhecido estabelecimento de ensino particular situado no barlavento algarvio publicitava (não sabemos se ainda acontece) nas salas de cinema existentes num centro comercial de Portimão, 99% de sucesso entre os seus alunos. Nessa altura ainda, muita gente desconhecedora da realidade talvez fosse levada no engodo dessa informação. O facto é que aquele valor, embora com algum exagero, talvez não estivesse muito longe da verdade. No entanto, muitas escolas e professores da região conhecem bem a explicação para aquele proclamado sucesso. E é bem simples: os alunos do estabelecimento de ensino particular acima referido, que apresentavam problemas de aproveitamento e/ou comportamento, eram, pura e simplesmente “convidados” a sair. E para onde iam? Como é óbvio, para uma escola pública porque esta não recusa qualquer aluno.
Esta é uma pequena achega para juntar ao texto seguinte, um artigo de opinião de Joana Mortágua (*) que transcrevemos do Público de hoje, sobre os designados contratos de associação.
Não deixa de ser engraçado que Pedro Passos Coelho tenha escolhido as palavras “transparência” e “ensino público de qualidade” para atacar alterações aos contratos de associação que vão produzir – imagine-se – mais transparência e ensino público de qualidade. Confuso? É normal, este debate tem sido insuflado por falsas polémicas, argumentos contraditórios e inverdades alarmistas. Vamos a elas.
Comecemos pelas liberdades e obrigações. Há 40 anos a Constituição passou a obrigar o Estado a criar uma rede de estabelecimentos públicos de educação que cubra as necessidades de toda a população. Os constituintes acharam, e bem, que era a única forma de garantir o direito à educação em condições de igualdade. Preferir o modelo da iniciativa privada seria assumir que se conservaria em democracia uma das maiores iniquidades da ditadura.
A mesma constituição reconheceu a liberdade de criar e frequentar escolas cooperativas, privadas ou confessionais. Isto quer dizer que a única coisa que impede a liberdade de um aluno frequentar um colégio privado é a liberdade do colégio para não o aceitar. Essa liberdade deve ser respeitada, mas a obrigação do Estado não é financiar a existência das escolas que surgem por iniciativa privada, é garantir que existem em todo o país Escolas de qualidade que não recusam ninguém. A obrigação do Estado é a Escola Pública.
Os contratos de associação decorrem desta obrigação. Quando o Estado identifica uma área onde a oferta pública não é suficiente, paga a um colégio para receber os alunos que não tiveram vaga na Escola Pública. Não se trata de liberdade de escolha das famílias, porque é o Estado quem identifica as carências e escolhe os colégios.
Há escolas privadas que exercem este serviço público de forma exemplar, compreendendo que o financiamento que recebem não é um subsidio à sua existência, mas o justo pagamento de um serviço que prestam ao Estado. Porém, ao longo do tempo, a transparência sobre a justificação de cada um destes contratos desapareceu.
Em 2015, o Governo de Pedro Passos Coelho abriu um “concurso” para os inícios de ciclo (5.º, 7.º e 10.º) em que determinou, em cada freguesia, o número de turmas a abrir. Como o fez não sabemos, mas gostaríamos de supor que tenha sido com base na carência de oferta pública e não por outras razões. A medida não desagradou aos colégios que, na sua imensa maioria, são os únicos na respetiva freguesia e viram serem-lhe atribuídas as turmas pretendidas sem terem de se inquietar com a concorrência.
O Ministério da Educação veio agora clarificar critérios relativamente à abertura de turmas de início de ciclos para 2016/2017, dizendo duas coisas: primeiro, se a justificação do contrato é a carência naquela freguesia então os colégios não podem percorrer o concelho ou o distrito para ir buscar alunos que têm vaga na Escola Pública e desta forma abrirem mais turmas pagas a 80.500 euros cada. Ou seja, não vale desviar alunos da escola pública para receber mais dinheiro do Estado. Segunda, a determinação do número de turmas a abrir em cada início de ciclo não depende de qualquer mão invisível, mas da análise das carências existentes na respetiva freguesia. Ou seja, os contratos de associação não são uma renda garantida a determinados colégios só porque sim.
A maior falta de “transparência” e de rigor sobre os dinheiros públicos é terem sido atribuídas dezenas de turmas a colégios de Coimbra quando as Escolas Públicas têm capacidade para mais de 30 turmas. O maior ataque ao “ensino público de qualidade” é milhões de euros dos nossos impostos estarem a ser desviados da Escola Pública para os colégios privados.
Infelizmente, Coimbra não é exceção. Há dezenas de Escolas Públicas a esvaziarem-se de alunos e a despedirem pessoas enquanto o Estado paga 80.500 euros ao privado para aceitar cada turma que tem lugar na escola pública por menos 30 mil euros. O abuso sai-nos caro está a destruir a Escola Pública.
As garantias estão dadas: nenhuma criança abandonará a sua turma a meio do ciclo, apenas se adotaram critérios mais responsáveis sobre a abertura de novas turmas de início de ciclo. Só deixarão de ser abertas aquelas em que as crianças tenham lugar numa Escola perto de si e com qualidade.
Desmistificados os argumentos só podemos concluir que todo o ruído é para calar uma verdade simples: o Estado tem andado a pagar uma renda de milhões aos donos de colégios privados sem qualquer razão. O motivo da indignação? Querermos acabar com este abuso.
(*) Deputada do Bloco de Esquerda

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