terça-feira, 26 de setembro de 2017

QUANDO A ESQUERDA LEVA A CABO POLÍTICAS DE DIREITA…


O texto seguinte, que transcrevemos do Público de hoje, constitui um artigo de opinião assinado pelo advogado Domingos Lopes (DL) onde faz uma análise aos resultados das eleições alemãs de há dois dias.
Ambos os partidos da coligação (CDU/SPD) que governou a Alemanha nestes últimos 12 anos foram fortemente penalizados, com benefício para os liberais (à direita de Merkel) e para a extrema-direita xenófoba e racista. DL refere as possíveis causas da penalização que o eleitorado infligiu à coligação mas nós vamos aqui deixar apenas a parte do texto que diz respeito ao SPD, por ser um exemplo muito significativo para Portugal e para o PS – partido ideologicamente irmão do SPD.
As políticas que o PS levou a eleições em 2015, nomeadamente as que se referem ao congelamento de pensões e facilitação de despedimentos, contrárias à sua matriz ideológica, só poderiam conduzir a um descalabro eleitoral dos “socialistas” portugueses, tal como tem acontecido a outros partidos irmãos por essa Europa, fora que embarcaram nas políticas de direita. Isto só não aconteceu em Portugal graças à fórmula governativa corporizada na “geringonça”, onde Bloco e PCP impuseram um conjunto de medidas de recuperação de rendimentos que trouxeram uma notória melhoria das condições de vida para a generalidade da população portuguesa, em especial, a mais afectada pela política austeritária do governo PSD/CDS.
É importante que os eleitores portugueses não esqueçam que a reversão (verificada nestes últimos dois anos e meio) do garrote imposto pela direita até 2015 se deve maioritariamente à acção de BE e PCP. Sem ela, teríamos apenas uma continuidade das políticas impostas pela direita no anterior Governo e que poderão regressar caso o PS venha a obter uma maioria absoluta em 2019.
A coligação cinzenta CDU/SPD (vira o disco e toca o mesmo) tende a asfixiar a democracia enquanto terreno gerador de alternativas. Essa política que antes de ser já o era cria o populismo de todos os matizes ideológicos. Permitiu, neste caso, à extrema-direita apresentar-se como oposição tendo em conta o colaboracionismo do SPD.
O resultado do SPD com o mínimo histórico, tal como a CDU, é bem revelador do que significa um partido social democrático juntar-se à direita para partilhar uma política que não é a sua, melhor, que não devia ser sua, pois a razão de ser da social-democracia é a sua oposição às políticas liberais de direita. A social-democracia, para cumprir o seu papel de alternativa, deve combater a política de direita; ao coligar-se com a direita, tende a diluir-se e a desaparecer.
Os que em Portugal, nomeadamente Francisco Assis, vaticinavam uma desgraça para o PS devido à atual governação estão com as orelhas a arder face às perspetivas eleitorais do PS e à anunciada hecatombe do PSD. É interessante que o PSD, pregando o passado, ao contrário do CDS, em certo sentido, aparece mais penalizado que o partido mais à direita. Ou o PSD passou para a direita do CDS ou o líder do PSD assim guinou o partido.
Quando uma ideologia que fez um longo percurso de oposição mais forte ou mais branda à direita abandona o seu ideário, e abraça a política financeira dos mercados, com a fundamentação que não há outra, a sua razão de ser deixa de existir. É a crise de todas as tentativas de fazer dos trabalhistas, dos socialistas e dos sociais-democratas os artífices ou os ajudantes da política neoliberal dominante na União Europa. Os resultados estão à vista na França (o quase desaparecimento do PS), na Espanha (o rombo no PSOE) e na Holanda. Ao contrário, o Partido Trabalhista britânico, fazendo o partido regressar às origens com Corbyn na liderança, aumentou a sua credibilidade e retirou-o do pântano para onde o guiou Blair, o da cimeira da guerra.
Não deixa de ser curioso assinalar que quer nos jornais, quer na rádio, quer na televisão, no panorama alemão o partido Die Linke (a esquerda) é como se não existisse, apesar de ter subido num contexto desfavorável.
Afinal, como se vê também na Alemanha, o sistema de coligações é uma constante, ao contrário do pio do pio Cavaco; só que desta vez o SPD, se continuasse de mão dada com a CDU, poderia ver desaparecer o grande SPD do tempo de Willy Brandt, que há muito foi mandado às urtigas por Gerard Schröder e seguintes.
Ao contrário do que defenderam certos dirigentes alemães, há em Portugal exemplos a seguir. O PS virou para a esquerda e os resultados estão à vista do ponto de vista social e económico. Resta saber se o SPD, mesmo contra o desígnios de muitos dos seus dirigentes, deixa de piscar à direita e guina à esquerda para forjar uma política diferente para a Alemanha e para a União Europeia. O eleitorado de direita prefere a direita para fazer a política de direita. Na terra da aspirina não há nada como a da Bayer.
A junção dos Verdes e os Liberais com a CDU não deve ter grande sucesso. Tudo parece indiciar que a política do centrão habilmente conduzida por Merkel, que para ela atraiu, como sereia do mar do Norte, o SPD, tenha fechado o círculo. A ver vamos como se vai posicionar o SPD e o seu sentido de alianças para afirmar uma alternativa credível com o Die Linke e os Verdes.  

Sem comentários:

Enviar um comentário