(…)
Curiosamente, a história longa da deriva do país
à direita e da degradação da nossa democracia poderia muito bem ser contada a
partir desse apelo que substitui a política por um pragmatismo sem ideias e,
frequentemente, sem alternativas substanciais, e em que o mal menor é cada vez
pior.
(…)
Os apelos ao voto útil passaram a provocar em
parte do eleitorado de esquerda uma súbita e salutar urticária.
(…)
A geringonça veio mostrar que são mesmo as
maiorias, mesmo que plurais, que contam.
(…)
Nas Câmaras, quem tem mais um voto forma o
executivo, mesmo que em minoria.
(…)
Em 89, o impossível aconteceu. PCP e PS falaram.
O PCP prescindiu da solução natural, que seria a de liderar essa coligação, em
função dos resultados das eleições anteriores, e decidiu apoiar Jorge Sampaio.
(…)
Percebeu a necessidade de libertar Lisboa de
Abecassis e escolheu vencer. E venceu.
(…)
O PCP entende que a experiência da Geringonça foi
a causa de todos os seus males e decretou uma política de barreira higiénica.
(…)
308 municípios, zero alianças.
(…)
O PCP recusou uma proposta de unidade pelo facto
de o PS ter feito o que o PCP já fez em dezenas de municípios, incluindo, por
exemplo, Coimbra neste preciso momento!
(…)
A coligação avançou com quem quis, o PCP,
legitimamente, decidiu ficar de fora.
(…)
Mais surpreendentes são os elogios que tem
merecido de vários comentadores da direita e do próprio Moedas, todos
anticomunistas encartados.
(…)
Podemos ter uma Câmara [de Lisboa] em que toda a
esquerda se unirá finalmente numa minoria absoluta derrotada, mas agora com uma
maioria absoluta entre Moedas e a extrema-direita.
(…)
As forças que entraram na coligação Viver Lisboa não se anularam
em benefício do Partido que podia ganhar. Integraram uma coligação, negociaram
o programa, assumirão responsabilidades.
(…)
Foi o PCP que não o quis.
(…)
É tão preguiçoso o discurso que ignora a política
para pedir o voto útil, como o que o faz para supostamente o rejeitar.
(…)
Na realidade, há muito mais sobreposição entre o
Programa do Viver Lisboa e o da CDU do que João Ferreira tem querido reconhecer.
(…)
O programa do Viver Lisboa apresenta medidas
concretas e vai muito mais longe que o da CDU na contenção do Alojamento Local,
um dos principais fatores que restringe o acesso à habitação na cidade.
(…)
É por isto que não é de voto útil que falamos
quando falamos da necessidade imperiosa de derrotar Moedas.
(…)
[A política que lhe pode suceder] tem
impactos no país, como terá no cenário inverso. Essa é a escolha e é
intensamente política.
(…)
Uma esquerda plural pode fazer diferente e mostrá-lo
ao país.
José Gusmão, “Diário de Notícias”
Todos compreenderam uma intervenção mais emocional e pouco
esclarecedora poucas horas depois do acidente do elevador da Glória.
(…)
[Carlos Moedas] só veio a dar esclarecimentos vários dias
depois, para se defender, insultar a memória de Jorge Coelho, atacar uma
oposição que até o tinha poupado.
(…)
Passado mais de um mês do acidente, a RTP fez uma reportagem
onde vítimas e familiares se queixaram de não terem recebido qualquer contacto
da câmara, do seu presidente ou da Carris.
(…)
Enquanto não encontrava uns minutos para dar as condolências
às famílias que jurava estar a acompanhar (…) Moedas desdobrou-se em
programas de televisão para sublinhar o seu próprio sofrimento.
(…)
Confrontado pela RTP com a sua falha, Moedas fez o de sempre:
mentiu.
(…)
Moedas também disse que todas as pessoas estão a ter “apoio
total”. Mas o fundo de apoio anunciado continua a não existir.
(…)
As medidas anunciadas (…) foram fogo de vista.
(…)
O debate sobre a responsabilidade política sempre foi o de
saber que tipo de liderança temos em Lisboa.
(…)
Tudo está subjugado à gestão da imagem de um presidente com
ambições muito superiores às suas capacidades.
(…)
A emoção que encena frente às câmaras contrasta com a falta
de cuidado no terreno.
(…)
Os autoelogios chocam com a cidade que vemos. A mentira é
sistemática. Tudo é postiço.
(…)
[Moedas] rebatiza o que já existe para parecer novo, aldraba
dados sobre crimes sem mais pudor que Ventura.
(…)
Por pior que seja o passado, será o primeiro presidente a não
deixar uma única melhoria na cidade.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
O país mudou e a reacção não se fez esperar. Saltaram dos
armários os fantasmas, os saudosos do antigamente, recria-se o velho do Restelo
em cada esquina.
(…)
É esse
país, mudado para pior por não saber aguentar a mudança, que vai a votos para -
talvez pela primeira vez nas autárquicas - reflectindo um mundo a preto e
branco, polarizado, que aponta ao outro, o desconhecido, o mal que nunca
reconhecerá ser próprio.
(…)
À medida que o país simula caminhar para a descentralização,
mostra-se cada vez mais centralista, sempre à espera do pai que lhe dê asas ou
uns trocos, sem cuidar de atribuir autonomia à decisão.
(…)
Talvez por cansaço, a Regionalização desapareceu da agenda,
mesmo daqueles que não negam o atraso atroz a que o centralismo tem condenado o
país há décadas.
A classe média é muito mais do que um intervalo estatístico
entre os pobres e os ricos. O acesso à propriedade, por exemplo, é
caracterizador da classe média.
(…)
A classe média-alta já é amparada pelo Estado no
arrendamento.
(…)
A habitação é mais um dos esteios que cederam e que
sustentavam os anteriores equilíbrios políticos e sociais.
Sérgio Sousa Pinto, “Expresso” (sem link)
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