O despertar francês
por Serge Halimi
Há quarenta anos que não havia em França manifestações como estas. A personalidade de Nicolas Sarkozy, a sua arrogância e vontade de esmagar o «adversário» permitiram que se unisse contra ele uma frente muito ampla. Mas a vaga e as multidões não nascem dos caprichos de um homem. Respondem a uma injusta escolha de civilização feita, a pretexto da crise financeira, por governos europeus cujo leque partidário vai da direita descomplexada à esquerda que capitula. Em Itália, Silvio Berlusconi não faz melhor nem pior do que os socialistas Georges Papandréou, na Grécia, ou José Luis Zapatero, em Espanha. Todos eles estão a pôr em perigo os serviços públicos e o Estado social. Todos eles, para agradar às agências de notação, pretendem pôr os assalariados a pagar o que ao país custou o saque perpetrado pelos bancos. Bancos esses, aliás, que continuam a fartar, preservados de qualquer obrigação de se mostrarem «corajosos» e solidários com as gerações futuras.
Não é «a rua» que se agita, é o povo francês que volta a subir ao palco. Nenhuma legitimidade dos governantes pode ser contraposta ao seu protesto. A Assembleia Nacional foi eleita na sequência de uma campanha presidencial durante a qual Sarkozy dissimulou as suas intenções em relação a uma reforma das aposentações que foi depois apresentada como a «marca» do seu mandato de cinco anos. «O direito à reforma aos 60 anos tem de ser mantido», proclamava ele quatro meses antes de ser eleito. Um ano depois, evocando o eventual adiamento deste direito, o novo presidente da República insistia: «Não o farei (…). Não é o compromisso que assumi perante os franceses. Não tenho por isso mandato para o fazer. E, sabe, isso para mim conta». Os franceses, que já são governados por um Tratado Constitucional europeu que em referendo rejeitaram em massa, e que os deputados de direita (escorados em alguns socialistas) a seguir impuseram por via parlamentar, manifestam-se também contra o autoritarismo desdenhoso do poder.
Os jovens compreenderam o que os espera. O capitalismo, à medida que faz com que as crises se sucedam, endurece a sua lógica. Para que ele consiga manter-se, a sociedade tem de ceder ainda mais: avaliações permanentes, concorrência entre os assalariados, cansaço no trabalho. A última versão do Relatório Attali recomenda agora o congelamento do salário dos funcionários públicos até 2013, a transferência para os doentes de uma parte dos encargos financeiros com as doenças de longa duração (cancro, diabetes) e o aumento da taxa do imposto sobre o valor acrescentado (IVA); tudo isto conservando, como é evidente, o «escudo fiscal». «Temos perante nós dez anos de rigor», prometeu, guloso, o antigo conselheiro especial de François Miterrand, que será seguramente poupado pelo rigor.
A 7 de Outubro passado, um aluno do secundário que se manifestava explicou o sentido do seu combate: «No início temos a formação: é a escola. Depois trabalhamos: é mais duro. Depois é a reforma: a recompensa. Se nos tirarem a recompensa, o que é que nos resta?»… Os liberais ironizam com estes jovens estranhamente preocupados com a sua reforma. Não percebem que essa angústia é uma acusação às políticas que eles põem em prática há trinta anos e que conduzem a este futuro sem esperança. As manifestações e as greves são o melhor meio para inverter esse rumo.
quinta-feira 4 de Novembro de 2010
Sem comentários:
Enviar um comentário