sexta-feira, 3 de julho de 2015

MASSACRES


Nestes dias, qualquer escrito sobre a crise do euro e as suas repercussões na Grécia, corre o risco de ser ultrapassado pelos acontecimentos, tão depressa estes se sucedem. Isso dá azo a uma colossal manipulação da informação por parte das forças mais poderosas envolvidas neste processo, já que têm facilitado o acesso aos grandes meios de comunicação social europeus e mundiais, detidos por acérrimos inimigos ideológicos do actual governo grego. O receio do sucesso das medidas anti-austeridade que este pretende implementar, deixando assim em xeque as políticas austeritárias levadas a cabo até agora nos países sob intervenção, leva a que passe a valer tudo na manipulação da informação. É, pois, muito importante a divulgação das reais intenções do capital financeiro e dos seus mandatários que dominam toda a União Europeia. As forças democráticas do velho continente estão actualmente a ser sujeitas a enormes pressões provenientes de um regime tendencialmente de partido único à escala europeia, relativamente ao qual é preciso opor toda a resistência possível.
O título do texto seguinte, “Massacres” (*), que recolhemos do Diário de Coimbra de ontem, assenta muito bem naquilo a que neste momento a democracia está sujeita na Europa.
Longe de mim alguma vez escrever sobre massacres, mas eles aconteceram, este fim de semana, na Tunísia, no Koweit, em França, na Síria e no Iémen, todos reivindicados por um denominado Estado Islâmico (EI), que já controla uma superfície três vezes superior a Portugal e dispõe de núcleos ativos em sete países, do Índico ao Mediterrâneo.
Não releva da curiosidade, mas da consciência política e da cidadania, quem, que organizações e que interesses estiveram na origem da criação do EI. Esta segunda-feira, dia do seu primeiro aniversário, foi precedida de massacres com assassinatos e bombas explosivas.
Todavia e com a abertura que a semântica nos proporciona, podemos dizer que há outras tipologias de massacre e uma delas ocorreu, no sábado passado, na reunião do Eurogrupo, com a expulsão do representante da Grécia e o anúncio da continuidade das medidas, ditas de austeridade, para este país ou, mais especificamente, contra o primeiro-ministro Alexis Tsipras e o seu partido Syriza.
Assim, foi lançado um verdadeiro ultimato a um país soberano, feito por uma organização que é, tão só, uma estrutura informal com poderes vagamente delegados pela comissão e conselho europeus, decisão tomada por 17 dos 18 ministros das finanças.
O comité independente para a verdade da dívida pública grega, eleito pelo atual parlamento e num relatório preliminar já divulgado e escondido dos políticos e media europeus, demonstra que apenas 10% dos empréstimos feitos ao Estado grego, foram utilizados para servir diretamente as populações, tendo o restante servido para pagar os empréstimos e juros, nomeadamente, a bancos alemães e franceses.
O documento, que apresenta as bases jurídicas, justificando a suspensão unilateral dos reembolsos financeiros, conclui que a dívida é “ilegal, ilegítima e odiosa”.
Por coincidência, tanto o ex-diretor do FMI, o ressuscitado Dominique Strauss-Kahn, como o economista Thomas Piketty (BFM) partilham sensivelmente a mesma opinião: a Grécia deve beneficiar de uma extensão da maturidade da sua dívida, além de ser imediatamente reestruturada.
Compreende-se que a burocracia política de Bruxelas tenha procurado meter no lixo o que disse o ministro das finanças grego Varoufakis sobre a intervenção do famigerado trio no país, de que deixo aqui apenas alguns números: salários -37%, número de funcionários públicos -30%, défice corrente 16%, PIB -27%, desemprego 27%, dívida pública 180% e 90% dos desempregados já sem receberem subsídios diretos.
Sabendo isto, torna-se mais compreensível  o discurso de Alexis Tsipras ao defender um referendo, no final desta semana (…) a nossa responsabilidade na afirmação da democracia e da soberania nacional é histórica e esta responsabilidade obriga-nos a responder a um ultimato, baseando-nos na vontade do povo.
Mesmo numa simples visão eurocêntrica, cumpre-nos ter a consciência e assumirmos a nossa repulsa em não continuarmos a ser “meros cidadãos recicladores da dívida”, que nasceu da especulação e do que qualifico como “crime financeiro organizado”.
Já que a palavra “massacre” surgiu neste texto, chamo a atenção dos leitores para um processo complexo, muito bem estruturado e, por isso, mais permissível e constante nos principais media globais – a luta entre a informação e a comunicação, com esta a assumir o papel de vencedora, a ficar detentora da verdade, ou seja, do poder.
Neste contexto, “veja-se” como a chanceler Merkel, prisioneira do seu ministro das finanças Schäuble, refutou qualquer acordo político, já que tal caminho exigiria e exige a reestruturação da dívida helénica.
Que dizer de Mariano Rajoy, à frente do governo mais corrupto que a Espanha conheceu desde o fim do franquismo e, ele próprio, envolvido no escândalo Bárcenas, o ex-tesoureiro do seu partido, ao exigir “um governo sério para os gregos”.
No momento em que escrevo, no final da tarde do dia alegada e falsamente considerado como prazo limite para o pagamento ao FMI, tudo é ainda possível e vermos, se aqui, os massacres serão outros.
(*) João Marques, diplomado em Ciências da Comunicação

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