terça-feira, 17 de abril de 2018

NA GUERRA NA SÍRIA OS ÚNICOS BONS SÃO AS POPULAÇÕES


Caso não se venha a provar que o ataque com armas químicas levado a cabo contra populações indefesas sírias é obra do regime de Assad, então, o ataque perpetrado conta a Síria pelos EUA com o apoio de França e Reino Unido tem um cheiro do que aconteceu no Iraque em 2003 com a invasão daquele país por uma coligação internacional liderada – para não variar – pelos EUA.
Além do mais, uma das tristes conclusões que, desde já, é fácil tirar é que na actual guerra que se trava na Síria os únicos bons que se encontram no terreno são as populações vítimas de brutais agressões de toda a espécie. Todos os outros são gente pouco recomendável apesar de alguns serem protegidos pela propaganda ocidental, leia-se amigos dos EUA. Basta consultarmos grande parte da comunicação social escrita e/ou falada para nos apercebermos como são designadas as partes beligerantes na Síria.
No seguinte artigo de opinião que recolhemos do “Público” de hoje, Marisa Matias faz uma análise lúcida da situação actualmente reinante na Síria.
O recente lançamento de 100 mísseis sobre a Síria, a mando dos Estados Unidos, da França e do Reino Unido, é apenas mais um triste episódio da tragédia que se abateu sobre o povo sírio. Não faltaram as vozes que ecoaram: “finalmente uma resposta”. Nada mais errado. O ataque de mísseis nada resolve a adia a solução política e diplomática que o povo sírio há tanto tempo merece. Repudiar este ataque não é em nada sinónimo de apoiar a política de Assad ou de não querer derrotar o terrorismo na região. Repudiar e condenar este ataque tem a mesma importância que repudiar e condenar o uso de armas químicas ou os sucessivos ataques contra o povo sírio. Nesta história, não há lideranças boas e más. São todas más.
A guerra alimenta-se a si própria. Trump enfrenta problemas nos Estados Unidos com as investigações que o FBI continua a conduzir a seu respeito e com a sua queda de popularidade, Theresa May enfrenta problemas com as consequências e as negociações do Bexit, Macron enfrenta problemas com os trabalhadores franceses e com a sua própria incapacidade política. Três líderes fragilizados nos seus países resolveram, sozinhos, que dar seguimento à tragédia síria seria o seu principal desígnio. Não consultaram nenhum dos seus respectivos órgãos de soberania - fazendo da democracia um detalhe do passado - e ridicularizaram de uma assentada os esforços das Nações Unidas e do seu Secretário-Geral, António Guterres. Só a ingenuidade pode permitir pensar que o objectivo é a paz na Síria. Se o objectivo fosse a paz, onde estiveram e o que têm feito nas Conversações de Genebra lideradas pelas Nações Unidas e pelo seu representante Staffan de Mistura? Se o objectivo fosse a paz, onde estiveram e o que fizeram aquando da Cimeira de Astana? Se o objectivo fosse a paz, onde estiveram e o que fizeram na Conferência de Sochi, cujo objectivo era precisamente um plano para a paz e os britânicos boicotaram? Se o objectivo fosse a paz, por que razão estes países, que são das maiores potências de armamento mundial, se recusaram a suspender a venda de armamento para os países que alimentaram e alimentam o terrorismo.
Há pouco tempo, Donald Trump decidiu retirar as tropas americanas da Síria, chegando mesmo a declarar que se a Arábia Saudita as quisesse manter que as pagasse. Mas, entretanto, contratou John Bolton para seu conselheiro (sim, o mesmo de Bush e um dos "ideólogos" da guerra do Iraque) e conversou com Macron. Tudo mudou, uma vez mais. Como já referi, a guerra alimenta-se da guerra e estes três líderes estão a precisar de “mostrar quem manda”.
A posição da União Europeia foi igualmente penosa. Da Comissão ao Parlamento, declaram-se intenções de que a “Europa deve falar a uma só voz”. Curiosamente, ou não, a União Europeia é - e foi na hora da decisão - absolutamente irrelevante e daí a tentativa desesperada de não ficar de fora de uma fotografia por muito má que ela seja. Os líderes europeus perceberam, mais uma vez, que ninguém lhes liga nenhuma.
Uma das tragédias da Síria é estar no sítio onde está. É ponto de passagem de muitos interesses e as grandes potências tanto mundiais como regionais querem ocupar o “caminho” que por aí passa. Após 2011, e na sequência das sucessivas revoltas que tiveram lugar nos países do Magreb e do Maxereque, poderia apostar-se que a Síria seria um dos países onde mais facilmente se encontrariam soluções políticas. Não foi assim. Assad mandou disparar contra o seu povo, todos os actores internacionais quiseram tomar partido e armou-se até aos dentes todo o tipo de grupos, reemergindo em força o terrorismo. Morreram centenas de milhares de pessoas, milhões tiveram que fugir. Na altura em que foi preciso demonstrar solidariedade com as pessoas que fugiam à guerra e ao terrorismo, a União Europeia e as grandes potências internacionais ditas democráticas e defensoras da Carta dos Direitos Humanos viraram a cara. Como se nada fosse, permitiram que se produzisse a maior crise humanitária de refugiados da história. As pessoas que se viram forçadas a deixar as suas casas foram ainda usadas por muitos dos países ditos democráticos e defensores dos direitos humanos para acicatar o discurso do ódio, do racismo, da xenofobia. Quando mais precisaram, ninguém quis saber dos sírios. Como hoje. Quem se levanta para aplaudir uma clara violação do direito internacional continua a não querer saber do povo sírio.
É preciso ter coragem e força de condenar este ataque, a mesma força e coragem que alguns têm tido para condenar a acção de Bashar Al Assad e da Rússia. O único lado que há para defender é mesmo o do povo sírio. O mundo está a ser comandado por loucos. Se aceitarmos fazer-lhes companhia, somos cúmplices.

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