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Um deles poderá estar para acontecer em Portugal e tem a ver com a possibilidade de voltar a ganhar uma eleição o partido que, não sendo o único responsável, nos deu o último empurrão para a fossa onde nos encontramos agora e da qual tão cedo sairemos, em especial, se se mantiverem as mesmas políticas que aqui nos conduziram. As medidas altamente recessivas que o triunvirato FMI/BCE/EU decretou vão dar uma ajuda no pior sentido. O supra-sumo do neoliberalismo poderá, contradição das contradições, vir a ser aplicado por um governo liderado por um partido dito “socialista”.Há quarenta anos a ocorrência de uma situação destas só seria possível numa obra de ficção. Contudo, no momento em que vivemos a realidade ultrapassa qualquer criação da imaginação.
Não há dúvida que, sem contrapoder a nível mundial, o neoliberalismo urdiu uma teia de tal forma perfeita que faz gato-sapato da democracia onde quer que os seus tentáculos cheguem em força. Decisões determinantes para a vida dos povos são impostas por entidades não sujeitas à legitimidade do voto popular, contra as leis elaboradas por órgãos democraticamente eleitos.
Também cabe nos anais do absurdo, pelo menos para a esquerda de boa cepa e para quem conhece a história da França, a possibilidade do director-geral do FMI vir a ser o candidato do PS gaulês à presidência da república daquele país. A detenção de Dominique Strauss-Kahn em Nova Yorque, por presumível tentativa de sequestro e violação de uma empregada de hotel, vai, certamente, pôr fim àquela putativa candidatura mas tal não invalida a forma como a doutrina neoliberal, nos seus aspectos mais extremistas já se infiltrou em todos os interstícios da sociedade europeia e não só. A tentativa de colocar, na presidência da república francesa, um dos expoentes máximos do neoliberalismo mundial revela bem a ousadia a que já chegou esta doutrina político-económica.
Se num país como a França, onde ainda têm um grande peso valores e direitos que são muito caros à esquerda, se vier a ser eleito pela mão de um partido, dito “socialista”, um incontestável expoente do neoliberalismo, então, podemos ter a certeza de que o mundo, tal como o conhecemos até há menos de duas décadas, está virado de pernas para o ar…
Como complemento do que acabámos de escrever e do episódio que envolveu Strauss-Kahn recomenda-se a leitura do delicioso texto que hoje vem inserido no JN, da autoria do Prémio Camões deste ano, o escritor Manuel António Pina.
Luís Moleiro
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