Ao longo dos
últimos dias, várias personalidades públicas e jornalistas se pronunciaram
sobre o momento que actualmente vivemos em Portugal e, de uma forma mais ou
menos directa, apelaram à participação dos portugueses no acto eleitoral do
próximo domingo, no sentido de nele manifestarem o seu veemente protesto contra
as políticas terroristas de que estamos a ser vítimas. Por enquanto, as câmaras
de voto ainda não são vigiadas por qualquer meio electónico e o cidadão decide
a sua vontade sem qualquer constrangimento para além da sua consciência.
O texto
seguinte é da autoria da socióloga e militante do PS, Ana Benavente e, por isso mesmo, tem uma força especial. Nele
também está contido um apelo indirecto à necessidade de os eleitores usarem as
eleições do próximo domingo para afirmarem com determinação o seu
descontentamento. Não é um radical esquerdista que o escreve.
É urgente assinar a petição
elaborada pela Iniciativa de Auditoria Cidadã (www.auditoriacidada.info) que
exige que os serviços oficiais pagos por nós auditem a dívida pública com a
participação dos cidadãos. A IAC trabalha há muito para conhecer a dívida que
serve de pretexto para as políticas de destruição do nosso país e das nossas
vidas, mas os limites do trabalho de um grupo de voluntários não o permitem.
A crise que vivemos é uma
profunda crise sobre a concepção do mundo e das sociedades. Chegámos aqui quase
sem darmos por isso. Confiando na democracia. Chegámos aqui através de
profundas transformações que tornaram a pessoa num recurso chamado
"capital humano".
Passarmos de pessoas a
capital humano foi uma das transformações mais profundas, mais silenciosas e
mais terríveis que nos trouxe ao que hoje vivemos: à pobreza que se instala na
vida de muitos para que a riqueza cresça para alguns outros. A economia
financeira é uma grande máquina que transforma os direitos sociais em créditos
ou em dívidas. Não se luta por aumentos salariais, pede-se um crédito ao
consumo. Não há direito à reforma, paga-se um seguro. Assim, a lógica actual é
a da transformação de um direito individual num crédito individual.
Enquanto os direitos sociais
são uma conquista colectiva da luta dos trabalhadores, hoje o endividamento
está presente, individualmente, desde que se nasce e até depois da morte.
Trata-se de uma nova forma de controlo social.
E não nos venham com
conversas pornográficas invocando que os nossos avós eram pobres, que o país é
pobre e que a emigração e a pobreza são o nosso destino. Basta de fatalismos
dos mais ricos para dominação dos mais pobres. Estamos em guerra, uma guerra
longa e cruel. Há maquinaria pesada em acção. As armas são a exploração do
trabalho e a sua precariedade, a privação de direitos e o medo.
O medo do desemprego, o medo
da doença, o medo de perder a casa, o medo da pobreza de mão estendida.
Os pobres entraram, pela
acção do Governo de direita, na nossa vida pública e no quotidiano, como se de
uma fatalidade natural se tratasse. A pobreza e a caridade que a consola. Os
mesmos caridosos não hesitam em cortar salários e pensões e em lançar milhares
de pessoas no desemprego.
O medo, manipulado como é,
corrói a acção democrática, torna as pessoas obedientes e assustadas. É isso
que os actuais poderes pretendem.
E a culpa? O que é terrível
na culpa é que ela atribui ao medo, o maior mal que existe no mundo, um enorme
direito. A culpa é subjectiva, cultural e civilizacional. A culpa sente-se. E
tem um terreno fértil no catolicismo. Mea culpa, mea maxima culpa.
Culpa de queremos uma vida melhor para os nossos filhos? Culpa por queremos
mais educação e uma vida digna?
É interessante constatar que
F. Nietzsche refere que, em alemão, uma só palavra traduz os dois conceitos,
dívida e culpa. Essa palavra é Schuld.
Aprendemos muito pouco com a
história. As grandes tragédias chegam com pezinhos de lã e com explicações
mediáticas falsas e fatalistas. Dizia um cidadão muito rico, há alguns dias,
que o rico é o que tem a política dentro da carteira. E não é?
Vivemos num país em situação
de "resgate". A palavra resgate significa (dicionário) ser
prisioneiro, refém ou vítima numa operação militar ou civil. Estamos portanto
prisioneiros. E queremos saber de quem e porquê. Os países (todos) sempre tiveram
e têm dívidas externas. O que actualmente mudou é que o capitalismo vive a fase
da absoluta rapina e que os juros sobem e descem de imediato segundo os
acontecimentos políticos em cada país. Transforma-se assim a finança num
superpoder absoluto sobre a vida dos povos, vida que procura paralisar e
dominar. A Europa dança ao mesmo ritmo. Enquanto permite que as empresas criem
sociedades fictícias e se instalem onde pagam menos impostos, impede que o
Banco Central Europeu empreste dinheiro directamente aos países, obrigando-o a
passar pelos bancos nacionais que ficam, pelo caminho, com margens imorais de
lucro.
Parece-me, e oxalá me engane,
que tanto os sindicatos como os partidos políticos de esquerda estão agarrados
a formas antigas de intervenção social. E nunca foi tão grande a distância
entre eleitores e eleitos. Somos muitos os que não nos sentimos representados
nas instituições democráticas actuais. Vivemos uma democracia formal, todos os
dias um pouco mais seca, mais pobre e menos democrática.
É bom lembrar, neste momento,
o que devemos àqueles com quem trabalhamos, com quem vivemos, aos mais novos,
aos mais velhos e a nós próprios. Perder o sentido da humanidade levou sempre a
terríveis tragédias históricas. Não o façamos nós.
"Pobre/nobre povo"
acorda do teu sono, sacode as culpas com que te querem paralisar. A realidade
cria-se e recria-se todos os dias. Nada está perdido.
A dívida consome uma parte
cada vez maior dos nossos recursos e não pára de crescer. Porque, para pagar
aos credores e fazer negócios ruinosos (BPN, por exemplo), se espolia quem
sempre contribuiu para o Estado e agora se vê sacrificado e desprezado. Porque
a verdadeira renda nacional vai para a área financeira privada. Porque o actual
Governo age contra o seu povo.
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