sábado, 28 de dezembro de 2024

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No dia 19 de Dezembro de 2023 acordei em Jenin (norte da Cisjordânia), após mais uma invasão israelita. As ruas estavam rebentadas de fresco, crateras e montanhas de lama, jorros de esgoto.

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Jenin é um bastião da resistência palestiniana, chamam-lhe A Pequena Gaza.

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Mas esse 19 de Dezembro foi também o dia em que um homem, por sorte médico, teve de amputar a perna da sua sobrinha sem anestesia, em cima da mesa da cozinha.

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Um ano depois, já não me lembrava ao certo onde estava. Fui verificar agora, quando vi a data dessa amputação no mais exaustivo relatório que um indivíduo fez desde 7 de Outubro.

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[Esse relatório] chama-se Bearing Witness to the Israel-Gaza War e é um trabalho escrito e compilado pelo israelita Lee Mordechai, historiador da Universidade Hebraica de Jerusalém, doutorado em Princeton.

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Em Março de 2024, o documento tornou-se viral no ex-Twitter em hebraico. Mordechai ampliou o alcance: para seja quem for que queira saber.

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Viu milhares de imagens horríveis. Não as mostra no texto, dá os links.

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Considera o ataque do Hamas e outros grupos a 7 de Outubro uma atrocidade. Tal como considera a resposta de Israel um genocídio, e no fim explica porquê.

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Quem acompanha os incontáveis testemunhos que eles [palestinianos] nos têm dado do seu próprio holocausto, sobretudo pelo Instagram, vai reconhecer centenas de momentos no relatório de Mordechai.

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Idem para quem segue as agências e tribunais da ONU, a Human Rights Watch, a Amnistia Internacional e muitas outras organizações, incluindo israelitas. Uma sucessão de horrores e recordes.

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Sofrimento contínuo e atroz de centenas de milhares de mutilados, queimados, doentes.

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Mas talvez a parte mais singular do relatório, pelo próprio facto de [Mordechai] ser israelita e falar hebraico, seja o que ele expõe sobre Israel, o ponto a que chegou a desumanização dos palestinianos.

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Diz Mordechai: a desumanização dos palestinianos é o que permite este horror.

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Resumo: a grande maioria dos israelitas que não quer saber a verdade (as muitas verdades além da propaganda).

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Aliás, uma das últimas actualizações de Mordechai diz respeito à limpeza étnica do norte de Gaza, nestas últimas semanas de 2024, depois de uma líder dos colonos ter ido a Gaza, escoltada pelos soldados.

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Há instruções escritas para esta limpeza étnica? Para o genocídio? Que se saiba, não. O que só convém às lideranças, como diz Mordechai, acautelando futuros julgamentos.

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Milhões foram gastos em propaganda para destruir críticos de Israel (incluindo a ONU), comprar vozes pró-Israel, multiplicar histórias falsas.

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Como eram falsos os 40 bebés decapitados do 7 de Outubro, ou as violações em massa do Hamas.

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Esta crónica sai um ano, dois meses e vinte e um dias depois disso [7 de outubro], e é o que continuo a achar, [Israel acabou] mas hoje de forma mais detalhada.

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O que quero dizer é que a ideia de Israel acabou.

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Israel é hoje um estado pária para qualquer pessoa que queira realmente saber o que aconteceu desde 7 de Outubro.

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Os jovens do mundo que acordaram para Israel/Palestina a 7 de Outubro não entendem como foi possível um país ser fundado à custa de um povo.

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Muito menos como é possível um povo ser exterminado nos nossos telemóveis, com a ajuda dos nossos governantes. Porque é que um único país no mundo faz o que quer na ONU, incluindo cortar-lhe as pernas, banir o secretário-geral. Porque é que um povo parece valer mais do que qualquer outro. E porque é que os palestinianos valem menos do que Israel, a América ou a culpa da Europa. Numa palavra: racismo (étnico, religioso, cultural).

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[Israel funda-se na mentira] na destruição de outro povo. Na mentira de que era uma terra sem povo para um povo sem terra.

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O Hamas derrotou Israel no dia 7 de Outubro. Com um massacre contra civis, na sua maior parte, tal como milícias sionistas pré-Israel foram terroristas, e muitos outros movimentos recorreram ao terrorismo sem se resumirem a isso.

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Eu já não tinha ilusões sobre o Hamas. Simplesmente é um erro resumi-lo como terrorista.

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A sociedade israelita viveu o maior trauma de sempre a 7 de Outubro. E a gente que hoje a lidera viu nisso uma grande oportunidade para concluir a Nakba de 1948, a Naksa de 1967.

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Os israelitas não vão recuperar como país do que fizeram, do que viram, e do que não fizeram e não quiseram ver.

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[Israel é] uma sociedade doente, cada vez mais incapaz de reconhecer o outro, os outros.

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Israel perdeu o mundo.

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Não há futuro num Estado fundado na desumanização de outros. O começo de Israel já era o fim de Israel.

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O 7 de Outubro gerou a desumanização definitiva. O futuro é da Palestina ou não será.

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Agora Gaza é o mundo.

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Daqui a um mês, a 27 de Janeiro de 2025, Netanyahu não irá aos 80 anos da libertação de Auschwitz porque tem medo de ser preso por crimes contra a Humanidade.

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Auschwitz não merece o homem que desde 7 de Outubro preside a Auschwitz-agora-em-directo. Uma criança morta por hora.

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A verdade mais difícil está por escrever porque, ao mesmo tempo que o horror nunca foi exposto como desde 7 de Outubro, ainda falta muito.

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Esse horror não seria possível sem as bombas e os milhões dos EUA. Biden é um criminoso de guerra. Como Scholz, Ursula, a maior parte da UE (com três ou quatro países a fazerem a diferença).

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O mundo que permite que se extermine um povo em nome de Deus, e ainda se considera religioso.

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Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, primeiro-ministro Luís Montenegro, ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Rangel, restantes ministros: vão continuar a ser cúmplices de um genocídio?

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E que vão fazer quando os vossos filhos ou netos vos perguntarem que fizeram contra isto?

Alexandra Lucas Coelho, “Público” (sem link)


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