domingo, 29 de janeiro de 2017

NÃO ESQUECER ALMARAZ



Todos os esforços que os mais avisados em questões de energia nuclear possam fazer para alertar as populações não são demais já que uma parte muito significativa dos portugueses não está suficientemente informada para os perigos inerentes às centrais nucleares de produção de electricidade.
Se é certo que muito a tempo nos livrámos de ser instalada em Portugal uma central nuclear, isso não nos pode deixar descansados já que temos, bem perto da nossa fronteira e junto ao rio Tejo, uma que nos poderá trazer problemas gravíssimos caso ocorra algum acidente de grandes proporções. É óbvio que estamos a falar de Almaraz, uma situação que não podemos deixar no esquecimento pelos perigos que comporta, não só para o presente mas, muito em especial, para o futuro das vidas dos nossos filhos e netos.
É bom não pormos de lado os monstruosos desastres ocorridos nas centrais nucleares de Chernobyl (1986) e Fukushima (2011) que vão afectar milhares de vidas por muitas gerações já que, como é do conhecimento geral, o nuclear leva milhares de anos para se extinguir.
Muito a propósito, deixamos aqui o seguinte texto assinado por António Eloy, coordenador para Portugal do Movimento Ibérico Antinuclear, extraído do Expresso de ontem, onde são enumerados os perigos de Almaraz.
Julgo que foi há 40 anos, ainda com grãos de areia de Ferrel nos pés, que fiz o meu primeiro comunicado sobre Almaraz. Na altura ainda o plano nuclear espanhol previa centrais por todo o lado, algumas bem perto de nós (Sayago e Valdecabaleros), mas Almaraz, com um reator que sabíamos não ter estabilidade no sistema de arrefecimento (trepidações que em Ringhls, Suécia, já o tinham dado por condenado), começaria no início dos anos 80 a produzir para a rede.
Já foi necessária essa electricidade para o sistema espanhol e ibérico. Hoje, Espanha exporta mais electricidade que a produzida em Almaraz. E até Portugal exporta mais para Espanha do que os 36% que da Endesa se produzem nessa central. Ou seja, salvo para os dividendos (há muito que está amortizado o investimento) e salvo para o setor financeiro das empresas titulares, Almaraz é dispensável. Mesmo com as restrições e constrangimentos que o Governo espanhol tem vindo a colocar às [energias] renováveis e a políticas de eficiência energética.
Recordo como se fosse hoje. Começara há poucos dias a produção e teve de parar. Os problemas, incidentes, acidentes (quase meia dúzia com classificação no registo internacional) já ultrapassaram os 80 e têm aumentado muito nos últimos anos. O envelhecimento, corrosão, gasto de materiais articulado com a total falta de cultura de segurança são elementos adicionais de risco. Em Almaraz houve fogos não registados como acidentes, que na central de Vandellos, na Catalunha, foram classificados de grau 3, levando ao seu encapsulamento.
Qualquer central nuclear a funcionar perfeitamente não é um problema ambiental! Infelizmente tal nunca aconteceu em nenhuma central. Todas têm problemas, todas são emissoras de radiopartículas, todas podem ter acidentes.
As estatísticas não nos auxiliam neste estertor dos parques nucleares. Grande parte das centrais no mundo está a chegar ao fim da sua vida (in)útil. E só com enorme protecionismo (como na hipotética de Hinckley) ou falta de democracia (como na China, Irão, Coreia co Norte, ou até na Rússia) é que ainda continuam a imaginá-las.
A de Almaraz tem vários problemas substanciais. Desde logo a democracia que é uma chatice, e depois a questão (obsoleta por demais e inexistente na ara da energia e sobretudo da electricidade) da soberania.
De que soberania estamos a falar? Qual é a nossa soberania e futuro se houver um incidente grave ou um acidente em Almaraz? Soberania eletrica? Soberania das águas? Soberania do risco? Soberania dos afetados?
A nuvem de Chernobyl chegou aos Açores, motivou restrições agrícolas na Suécia e no Sul de França, e na Alemanha foram dadas instruções para grávidas e crianças se esporem o mínimo ao ar. Tudo a muito mais que os 30 Km que as nossas autoridade dão como sendo de risco. O perigo é também um grave constrangimento pessoal e coletivo, e já está a ter um custo.
Por muito que seja faturado pelas empresas que detêm Almaraz, esses dividendos não pagam a ansiedade e a incerteza que a central gera e apenas para produzir uma quantidade de electricidade desnecessária. E continuaremos com um problema, que é também um dos motivos pelo qual as companhias elétricas querem continuar a correr o risco: o desmantelamento, o custo desconhecido do mesmo, e o que fazer com os resíduos e onde os guardar.
O nuclear é uma tecnologia que começou sem cabeça e que agora, na hora da morte, mostra que tem pés de barro.   

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