quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

NOVO ARTIGO DO DEPUTADO BLOQUISTA JOÃO VASCONCELOS



O texto que apresentamos a seguir constitui um artigo que tem por base uma intervenção do deputado bloquista, João Vasconcelos, num debate no Parlamento.
Reconhecimento do direito de Associação Profissional dos Militares
Evocação do 15.º Aniversário das Leis Orgânicas de 2001
Enquadramento histórico
Foi no contexto da Revolução Industrial que surgiram as movimentações sociais operárias na Europa durante o século XIX e que confluíram tanto no sindicalismo, como nos movimentos socialistas.
Os operários, face às duras condições de trabalho em que viviam, adquirem a chamada consciência de classe e começam a fundar as suas associações socioprofissionais e sindicatos. De um modo geral, estas estruturas sindicais deixam-se influenciar pelas correntes socialistas, o marxismo, o anarquismo e outras.
Embora semelhantes, “sindicalismo” e “associativismo profissional” apresentam algumas diferenças. Enquanto o sindicalismo apresenta conotações políticas, com o recurso à luta de classes e à greve para melhorar as suas condições, o associativismo não recorre à greve, de um modo geral, fomenta a coesão e o prestígio da instituição a que pertence e procura acima de tudo, melhorias socioprofissionais.
Foi nos finais do século XIX que surgiu o associativismo militar no norte da Europa, em países como a Holanda, Suécia e Noruega. A nível internacional, ao longo deste século vão surgindo normas que reconhecem aos membros das Forças Armadas direitos iguais aos seus cidadãos, embora com algumas restrições. Assim temos:
- A Carta de Princípios da OIT, a partir da Declaração de Filadélfia de 1944 e de onde vão surgir várias Convenções em 1948, 1949 e 1978, sobre o princípio da liberdade e negociação coletiva, sobre o direito de organização e fixação das condições de trabalho.
- O Conselho da Europa adotou em 1950 a Convenção para a proteção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais.
- Ainda sobre os direitos humanos, temos os Pactos Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos económicos, Sociais e Culturais, em 1966. Em todas estas normas há restrições aos militares e polícias no que concerne ao direito de reunião e de associação sindical.
Mas foi em 1984 que o Parlamento Europeu aprovou uma Resolução, o “Relatório Peters”, apelando para que todos os Estados membros da Comunidade concedessem aos militares o direito de aderir e participar em associações profissionais para defenderem os seus direitos sociais.
Em 2006, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa aprovou uma Recomendação, o “Relatório Apenes”, considerando que os membros das forças armadas são cidadãos em uniforme, e que devem usufruir das mesmas liberdades fundamentais estabelecidas na Convenção Europeia de Direitos Humanos e na Carta Social Europeia, embora “dentro dos limites impostos pelas exigências específicas dos deveres militares”. Nota-se assim, uma preocupação na Europa com os direitos dos militares, procurando uma aproximação com os direitos dos demais cidadãos.
Exemplos de associações socioprofissionais militares na Europa
Foi na Holanda que surgiu o associativismo militar em 1897. Os militares têm direito à greve, mas os direitos encontram-se restringidos por regulamentos militares. Na atualidade o direito à greve encontra-se limitado.
Na Noruega foi criado um sindicato militar em 1835 (o mais antigo). Não há diferenças entre funcionários civis e militares e o direito à greve não é reconhecido.
Na Suécia há sindicatos militares desde 1907, ligados à função pública e podem fazer greve.
Na França, Grécia e Itália o associativismo militar apresenta grandes limitações e só nos finais dos anos 90 do século passado é que foram constituídas associações profissionais de militares.
Em Espanha o associativismo militar só vingou em 2002, a reboque de uma Lei orgânica para todos os funcionários públicos.
Na Alemanha existe apenas uma única associação profissional de militares, com grande prestígio, integrando militares de todas as categorias, assim como os familiares civis a prestar serviço nas forças armadas. Não é permitido o direito à greve aos militares e aos funcionários públicos que pertencem às forças armadas.
Desde 1973 existe a EUROMIL, uma organização não governamental que representa os interesses sociais e profissionais dos militares na Europa, fundada por 5 países – Alemanha, Dinamarca, Holanda, Bélgica e Itália. Conta atualmente com cerca de 40 associações de vários países, incluindo Portugal, representando mais de 500 mil militares.
O associativismo militar em Portugal
No nosso país o associativismo no seio dos militares surgiu tardiamente, mais propriamente a seguir ao 25 de abril de 1974. Temos o período revolucionário de 1974 e 1975 em que surgiram comissões de praças e de sargentos, e os SUV (Soldados Unidos Vencerão), que conduziram a movimentos de grande contestação no seio das forças armadas. Foram feitas reivindicações por aumentos salariais, atualização das pensões de sobrevivência, a redução do limite de idade para a reforma e até a recusa em embarcar para as ex-colónias. Ocorreu assim a democratização das forças armadas num período bastante vivo da nossa História.
A seguir ao 25 de novembro de 1975 e até 1982 não são conhecidas situações de associativismo profissional no seio dos militares. No ano de 1982 é aprovada a Lei n.º 28/82, de 11 de dezembro – a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA) e que ficou envolta em polémica, pois mereceu o veto presidencial do General Ramalho Eanes, alegando que a lei vedava aos militares direitos considerados fundamentais, nomeadamente o que consignava o artigo 31.º (Restrições ao exercício de direitos por militares). Com efeito, era restringido o exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição coletiva e a capacidade eleitoral passiva de militares.
O próprio deputado Jorge Sampaio, na altura, considerou que as restrições previstas no artigo 31.º estavam para além do que estipulava a Constituição da República Portuguesa no seu artigo 270.º (Restrição ao exercício de direitos). O referido artigo frisa que a lei pode estabelece essa restrição, não considerando como uma restrição absoluta.
A partir de finais dos anos 80 são criadas várias associações profissionais entre os militares: Associação de Militares na Reserva e na Reforma (ASMIR), em 1987; Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), em 1992; também foram criadas a Associação de Praças (AP), a Associação Nacional de Contratados do Exército (ANCE), a Associação de Deficientes das Forças Armadas (ADFA) e várias outras Associações ligadas aos Antigos Combatentes, a Associação de Fuzileiros Deficientes das Forças Armadas, Graduados em Sargento-Mor, etc.
Só que sobre estas associações pairava o artigo 31.º da LDNFA, pelo que a sua atuação não era enquadrada por qualquer regime jurídico específico, o que restringia de forma grave os direitos dos militares.
Só em 2001 é que a situação foi alterada – há 15 anos atrás – com a publicação, pela Assembleia da República, da Lei orgânica n.º 3/&2001, de 29 de agosto (Lei do direito de associação profissional dos militares); e a Lei Orgânica n.º 4/2001, de 30 de agosto, que procede à sexta alteração à LDNFA, modificando o artigo 31.º e autorizando o direito à constituição e integração de associações profissionais por parte dos militares.
Ainda em 2007 foi reforçado o associativismo militar com a publicação do estatuto dos dirigentes associativos das associações profissionais das Forças Armadas, e em 2009 foi publicada a Lei de Defesa Nacional (LDN) que revogou a LDNFA de 1982.
Com o anterior governo do PSD/CDS verificou-se um retrocesso a nível do associativismo no sei dos militares com a publicação do EMFAR (Estatuto dos Militares das Forças Armadas), que este governo ainda não revogou, ou alterou significativamente.
O processo legislativo de 2001
Foram várias as iniciativas legislativas que deram origem às Leis Orgânicas de 2001:
- Projeto de Lei 430/VIII, referente ao “associativismo militar” (PSD), aprovado por PS, PSD e CDS/PP, com abstenção de PCP, PEV e BE.
- Projeto de Lei 14/VIII, que “altera o regime de exercício de direitos pelos militares” (PCP), aprovado por maioria, com a abstenção do PSD.
- Projeto de Lei 394/VIII, que “altera a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas” (CDS/PP), aprovado por unanimidade.
- Projeto de Lei 428/VIII, “capacidade eleitoral dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em efetividade de serviço e exercício dos cargos políticos para que sejam eleitos” (PSD), aprovado com abstenção de PCP, PEV e BE.
- Projeto de Lei 429/VIII, “alteração do artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas” (PSD), aprovado com a abstenção de PCP, PEV e BE.
- Proposta de Lei 71/VIII, que “altera o artigo 31.º e adita os artigos 31.º - A a 31.º - F da Lei n.º 29/82 (Governo), aprovado por unanimidade.
Estes documentos legislativos baixaram posteriormente à Comissão de Defesa Nacional dando origem às Leis Orgânicas citadas.
O artigo 31.º da LDNFA manteve-se em vigor durante 19 anos, apesar da aprovação dos Relatórios “Peters” e “Apenes”, e da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional receber ao longo de mais de 10 anos as associações militares para apreciar questões de natureza socioprofissional e não apenas meramente deontológicas.
O artigo 31.º de 1982, após a primeira revisão constitucional, surgiu num contexto político adverso e até de confronto com os militares. Foi aprovado por PS, PSD e CDS/PP e muitas vozes se levantaram contra, incluindo o Presidente Eanes e o deputado Jorge Sampaio, como se referiu anteriormente. Era sem dúvida, um artigo retrógrado, contrário à afirmação dos direitos humanos no seio da instituição militar.
Os direitos dos militares deviam e devem ser exercidos nos termos constitucionais, em que as suas limitações devem circunscrever-se na estrita medida, conforme consigna a Constituição, obedecendo aos princípios da necessidade e da proporcionalidade, não podendo diminuir o alcance e a extensão dos direitos, liberdades e garantias.
Os Projetos do PCP e do Governo foram positivos e até avançados, acontecendo em parte com a iniciativa do CDS/PP. Já não de pode dizer o mesmo com os Projetos do PSD. As iniciativas legislativas desta força política proibiam as associações de militares contratados, limitava fortemente o poder representativo das associações junto da hierarquia militar, só permitindo reuniões nas respetivas instalações, excluía as matérias remuneratórias e enchia as associações de proibições.
No que se refere às isenções, só têm sentido a isenção político-partidária, como preconiza a Constituição, assim como o sigilo decorrente da classificação de documentos para garantia dos interesses da Defesa Nacional. O sindicalismo militar devia ser uma realidade entre os militares, tal como acontece em muitos países da União Europeia. Não tem assim sentido diabolizar o sindicalismo no seio dos militares.
Outra questão prende-se com a participação dos militares em atividades políticas, só sendo permitido desde que usem traje civil. Assim como a “condução da política de defesa nacional”, em que os militares não podem tecer comentários. Será para impedir críticas à hierarquia superior? Parece que sim, o que não deixa de ser limitativo da liberdade de expressão.
De qualquer forma, as Leis Orgânicas de 2001 representaram um importante avanço democrático no que se refere ao associativismo socioprofissional dos militares.
A situação atual
No presente momento, constata-se que o atual governo ainda não reverteu algumas normas aplicadas pelo anterior governo PSD/CDS e que condicionaram, de forma grave, o desenvolvimento normal do associativismo socioprofissional dos militares, em que as importantes Leis Orgânicas citadas não são cabalmente cumpridas. É tempo da esperança anunciada por este governo também se fazer sentir entre os militares.
O Bloco de Esquerda, dentro das suas possibilidades e conhecimento, tudo fará para afirmar e concretizar essa esperança.
Observação: Declaração proferida, em nome do Bloco de Esquerda, na Assembleia da República, no passado dia 7 de dezembro de 2016, na Sessão Evocativa do “15.º Aniversário das Leis Orgânicas”, organizada pela Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), Associação Nacional de Sargentos (ANS) e Associação de Praças (AP).
João Vasconcelos

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