quinta-feira, 25 de abril de 2019

REFLECTIR SOBRE ABRIL



Em cada aniversário do 25 de Abril de 1974 encontramos sempre reflexões sobre os acontecimentos daquela data e a sua projecção para a actualidade. Alguns desencantos e lamentos vêm sempre á tona por parte daqueles (ainda muitos) que esperavam que com a democracia trouxesse para Portugal os valores proporcionados por este regime.
Deixamos a seguir uma interessante reflexão de um cidadão anónimo, Manuel Miranda, que transcrevemos da edição desta terça-feira do “Diário de Coimbra”.

Abril tão perto e já tão esquecido. Naquela manhã o sonho saiu dos quartéis à rua levado por militares amigos com armas de paz apontadas ao céu.
E naquela manhã acordámos para a liberdade.
Nos jornais entrou o sol e a verdade. A noite da censura que os cobria retirou-se suja e condenada de muitos anos de mentira.
Aos nossos ouvidos chegaram canções de liberdade antes silenciadas. Os nossos olhos começaram a ler e a ver o que antes não liam e não viam. Deram-nos o direito e o sonho de pão para todos, de emprego e de habitação. Deram-nos o direito e o sonho da justiça, da saúde, da escola para todos, sem que se olhasse a raça, etnia, classe ou incapacidade.
Houve quem de Portugal fugisse, mal-habituados ao que viam e ouviam. descontentes que das suas carteiras bem recheadas alguma coisa fosse retirada, para aos que nada tinha alguma coisa fosse dada.
Os militares estavam com o sonho e com o povo. O povo nos militares acreditava.
O tempo passou e aos poucos o sonho foi esquecido, as recordações foram-se apagando.
Restam as saudades de um sonho que nos entusiasmou.
Os militares recolheram. Uns ficaram esquecidos, outros vilipendiados, outros desprezados. Também alguns voltaram às armas que servem para matar.
Os políticos de início com o sonho estavam. Com o tempo, muitos os sonhos esqueceram e se voltaram para o que mais proveito lhes dava.
O dinheiro tornou-se sonho, o Deus venerado. Muitos tornaram-se pregoeiros de promessas que sabem não ser para cumprir.
E pelo Deus dinheiro cá entrou outra religião. A crença que pelo dinheiro tudo se vende e tudo se compra. É a corrupção.
Muitos vão para a governação e são muitos os que descem da governação para as empresas. E nesse vai e torna são muitos os que se sujam na corrupção.
A corrupção apoderou-se da honestidade, da transparência, da verdade.
São muitas as notícias que nos chegam de gente que por favores amigos com empréstimos ricos foram beneficiados e que agora dizem nada ter para os empréstimos serem liquidados.
E pensávamos que a vida ia ser diferente. Que a terra era para cultivar, para dar pão à fome que grassava. Acreditámos em trabalho para todos. Um país sem desempregados. Acreditámos em trabalho com direitos, sem as flexibilidades com que somos escravizados.
São professores com anos de serviço roubados. São polícias na rua em manifestação. São enfermeiros mal pagos e revoltados. O desespero anda generalizado.
Os impostos são exagerados. Os idosos desprezados. Os sem abrigo na cidade à espera de caridade.
Os preços sobem. Os ordenados e pensões há anos congelados.
A discrepância nos ordenados é vergonhosa. Administradores ganham por dezenas dos seus trabalhadores.
São promessas não cumpridas. É a corrupção descarada. A riqueza em poucas mãos concentrada. São bancos em falência com dívidas para contribuinte pagar. O interior abandonado e desertificado. Assimetrias exageradas.
são estas coisas que alimentam populismos, que pelo mundo nascem, a ditaduras levam, ódios e perseguições geram.
A Abril de paz queremos voltar.

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