(…)
Milhares
de pessoas começaram a juntar-se em frente aos ecrãs, antes mesmo de as
televisões mostrarem imagens do Qatar onde a todo o momento se esperava o anúncio
do cessar-fogo.
(…)
Vi
gente a cantar, a dançar, a falar do que ia comer ou cozinhar para a família,
quando viesse o cessar-fogo.
(…)
Gente
radiante com a ideia de, enfim, voltar a casa, mesmo sabendo que talvez não
haja casa, sabendo até que não haverá casa, só ruínas, mas no lugar onde estava
a casa.
(…)
Em Gaza, dezenas de milhares de mortos estão contados,
e talvez dezenas de milhares de mortos não estarão contados.
(…)
Nesta
noite de 15 para 16 de Janeiro, as pessoas que passaram por isto eram ainda as
que nos mostravam o que fazer: a prioridade que era, antes de tudo, o
cessar-fogo.
(…)
Os palestinianos viveram todas as desilusões
possíveis com argúcia, e tantas vezes com humor.
(…)
E na
noite do anúncio do cessar-fogo mais uma vez nos ensinavam. Só pela alegria que
é a pausa da morte.
(…)
Podíamos
ver assim, nessa noite que era de cessar-fogo anunciado, o que vimos ao longo
destes 467 dias de genocídio: o zapping
entre a vida maior que a morte em Gaza.
(…)
Naquela
sala do Qatar veio o anúncio, era verdade, ia acontecer. Mas, ao mesmo tempo
que a alegria, as bombas também explodiam, Israel intensificava os ataques, os
mortos iam disparando no zapping:
vinte, trinta.
(…)
Quando
acordei eram já 81 mortos. Da noite que ia ser a mais feliz em Gaza. Alegria e
agonia, quantos mais mortos até o cessar-fogo entrar em vigor?
(…)
Mas os
comunicados de Netanyahu eram a dizer que o Hamas voltara atrás no acordo,
portanto ainda não havia aprovação do Governo.
(…)
Entretanto, o Hamas garantia aos negociadores
que não, tudo se mantinha
(…)
O Haaretz publicara entretanto
um texto muito interessante a explicar como Trump quer a normalização de Israel
com a Arábia Saudita. E Israel e a Arábia Saudita também.
(…)
A Trump, aos sauditas, aos emirados, aos
sultanatos, interessam os negócios, e portanto interessa um cessar-fogo.
(…)
A Israel também, mas não apenas. A Netanyahu
interessa não ser preso.
(…)
O que
aconteceu nesta quinta-feira, 16 de Janeiro, é que enquanto Gaza esperava em
agonia, e o mundo esperava parvo, o Governo israelita conseguia descer ainda
mais baixo, transformar o próprio anúncio do cessar-fogo em mais crimes,
indiferente à vida de milhões.
(…)
O problema na aprovação do acordo não era o
Hamas, eram as discussões entre Netanyahu e seus avatares Ben Gvir/Smotrich.
(…)
Entretanto
centenas de camiões de ajuda de emergência faziam fila à entrada de Gaza? É
para o lado que o governo israelita dorme melhor.
(…)
Os reféns ainda vivos agonizam, estarão em
risco até de morrer nos bombardeamentos pós-anúncio do cessar-fogo?
(…)
Que importa isso a um governo que podia ter
assinado este acordo há muitos meses, quase um ano?
(…)
A vida
de milhões de palestinianos, de dezenas de reféns israelitas e do mundo em
geral não interessa aos criminosos que governam Israel.
(…)
No
momento em que escrevo, 24 horas depois do anúncio de cessar-fogo, a agonia da
espera em Gaza continua. Mas o dinheiro falará.
(…)
Será a Cisjordânia, colonizada e anexada com
aval dos EUA, parte do preço do cessar-fogo em Gaza?
(…)
A rua
árabe está com a Palestina, como a rua do mundo está com a Palestina. Os jovens
das ruas do mundo estão e estarão.
(…)
O que importa já é o cessar-fogo. Parar a
morte.
Alexandra Lucas
Coelho, “Público” (sem link)
Sem conhecermos as candidaturas, as sondagens
sobre as presidenciais são das invenções mais absurdas do comércio
politico-mediático.
(…)
A não ser que um candidato seja muito impopular
ou muito popular, nem sequer é relevante o que os eleitores pensam deles neste
momento.
(…)
O que interessa é fazer o difícil esforço de
projetar o que será cada candidato depois de se dar a conhecer numa campanha
desta natureza.
(…)
A notoriedade não tem a relevância de outras
eleições-
(…)
A mobilização dos partidos é importante (cada
vez menos), mas a performance dos candidatos em campanha vale muito mais.
(…)
Marques Mendes, o candidato que, por inércia, é
cada vez mais inevitável à direita.
(…)
De Ventura nem vale a pena falar. Se há cargo,
ele candidata-se.
(…)
É à esquerda que as incógnitas são maiores.
(…)
É sabido que António José Seguro ouviu o
chamamento dos seus amigos e tomou-os pelo país.
(…)
É demasiada gente ainda se lembrar dele. Falta
de carisma e de ideias não é moderação. É falta de carisma e de ideias.
(…)
A candidatura de Seguro seria de tal forma
desmobilizadora que tornaria inevitável uma alternativa para os eleitores de
esquerda, socialistas incluídos.
(…)
Poderia ser Sampaio da Nóvoa. Sem apoio de um
grande partido, vindo da sociedade civil e contrapondo a autoridade académica à
militar, seria, como já escrevi, um bom contra-almirante.
(…)
Num momento em que a democracia vive os maiores
desafios dos últimos 50 anos, não lhe conhecemos [a Centeno] qualquer posição
política para lá das contas certas e do mais baixo investimento público do
século.
(…)
O que está em causa é ir à segunda com o
almirante, ultrapassando o candidato da direita, que vai dividida entre os
candidatos da AD, da IL e do Chega.
(…)
A esquerda precisa de concentrar o seu voto na
primeira volta com um candidato que a mobilize para chegar à segunda.
(…)
E, com Centeno fora, o campo fica perigosamente
aberto para o desastre seguro de Seguro.
Daniel Oliveira,
“Expresso” (sem
link)
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