domingo, 16 de outubro de 2016

A OPINIÃO AREJADA DE PUREZA


No dia da apresentação do Orçamento de Estado de 2017 os comentadores de direita da área de economia e não só enxamearam de tal modo todos os canais televisivos que se tornou quase impossível ouvirmos uma opinião que justificasse a existência de pluralismo no audiovisual. Foi preciso esperarmos pelo “Tabu” de Francisco Louçã na SIC para os nossos ouvidos escutarem algo de novo e diferente em relação ao que vinha a ser dito até então.
O mesmo sucede relativamente a este artigo de opinião assinado por José Manuel Pureza, que transcrevemos do Público de hoje.
A direita agrediu o país durante quatro anos com um mantra sobre a suposta inevitabilidade de empobrecermos para ficarmos ricos e de cortarmos direitos sociais para termos uma sociedade mais justa. O caminho que a atual solução governativa contrapôs a essa estratégia de injustiça tem dois pilares: recuperar rendimentos para a população mais frágil e defender o Estado Social. Isso ficara claro no orçamento para 2016. O orçamento para 2017, apesar de todas as suas limitações, prossegue essa aposta.
Nenhum reformado que, ao fim de uma vida inteira de trabalho e de descontos, tenha uma pensão até 838 euros perderá poder de compra em 2017; e aqueles cuja pensão não ultrapassa hoje os 628 euros vê-la-ão aumentada em 10 euros a partir de agosto. A solidez das pensões futuras ficará reforçada com a afetação ao Fundo de Estabilização da Segurança Social dos resultados da tributação de fortunas imobiliárias acima dos 600 mil euros, mostrando assim que o suporte a políticas sociais de justiça mínima não tem que assentar na penalização fiscal do trabalho (e, já agora, é uma resposta à altura à histeria ideológica pelo alegado ‘brutal ataque à classe média’). Os consumos de água e de eletricidade pelas famílias mais pobres vão gozar de uma tarifa social. Os cidadãos com deficiência veem orçamentado o apoio para assistência pessoal que lhes faculte um projeto de vida independente fora de contextos de institucionalização ou de assistência familiar. O subsídio de refeição, congelado desde 2009, terá um aumento seis vezes superior à taxa de inflação. O salário mínimo nacional subirá para 557 euros.
Chega? Não, não chega de todo. Mas, para quem se empenha em mais justiça na economia, valeu a pena o empenhamento nesta primeira fase da negociação do orçamento. Digo-o com a consciência de que os impasses económicos e os problemas sociais do país se mantêm, a exigir uma resposta à altura da sua complexidade. Se o êxito da consolidação orçamental imposta pelos guardiões do euro continuar a significar uma justiça, uma saúde, uma cultura ou um ensino condenados à míngua, então é a própria democracia que exige que questionemos as consequências de um aperto que se perpetua. Se o saldo primário das nossas contas para 2017 é de 5 mil milhões de euros mas continuarmos a ter de afetar 8 mil milhões ao pagamento de juros da dívida, então é o bom senso e a sobrevivência mesma da nossa economia que exigem que a renegociação da dívida seja, enfim, assumida como uma prioridade nacional.
A recuperação de rendimentos é uma condição de dignidade, mas essa recuperação será sempre tímida se o país se mantiver refém de imposições europeias que mutilam o investimento e paralisam os serviços públicos. As forças da maioria política que viabiliza o Governo não podem eximir-se à responsabilidade de transformar a esperança em futuro.
Neste orçamento, a aposta foi, e bem, mantida. A crítica tem que o ser também.

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