segunda-feira, 24 de abril de 2017

A MARCA DA IMPREVISIBILIDADE


Reflectindo sobre o que decorre actualmente à nossa volta, não diremos nada de novo se afirmarmos que o mundo está a tornar-se exponencialmente perigoso a cada dia que passa. E isso não acontece apenas pela acção de regimes ditatoriais/autoritários mas em democracias que são tidas como consolidadas. Hoje mesmo tivemos conhecimento do resultado final da primeira volta das eleições presidenciais de ontem em França e, apesar de se configurar para a segunda volta uma derrota da candidata de extrema-direita, a verdade é que estas forças obtiveram, para já, o seu melhor resultado de sempre. Trata-se de mais um aviso para todos os amantes da democracia e da liberdade que estão a sofrer tratos de polé por todo o mundo.
De qualquer maneira, o caso mais significativo sobre as ameaças à liberdade e à democracia vem dos Estados Unidos, com a recente eleição de Trump. A “imprevisibilidade” é a marca “indelével” da nova administração americana, como muito bem afirma Domingos Lopes em artigo de ontem no Público, cujo conteúdo reproduzimos a seguir. De Trump é possível admitirmos tudo e o seu contrário sendo que ambos têm o condão de ser coisas más.
A administração Trump tem como marca indelével a imprevisibilidade. Pode ser o que se estava à espera e o contrário do que se esperava ou a tomada de medidas em frontal oposição com o seu compromisso eleitoral. Para Trump não há passado, nem futuro. Apenas navegação presente ao sabor dos vários conflitos abertos nas suas equipas de colaboradores e dos que martirizam o mundo. A própria dimensão do conflito não interessa a Trump, apenas saber o que pode retirar da sua existência para se afirmar enquanto líder da maior potência mundial.
Os conflitos mundiais para Trump encaixam-se na moldura do Twitter e pouco mais: sem um levantamento estratégico a convocar atores e a enfrentar desafios a vencer. Para Trump, os problemas resolvem-se a tiro de Tomahawks ou de bombas de destruição massiva, como a apelidada de mãe de todas as bombas.
A milhares e milhares de quilómetros dos EUA, algures na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, alegadamente jihadistas do Daesh construíram, no meio de quase nada, túneis e por eles transitam, segundo os militares do Pentágono. Pois bem, Trump lançou a mãe de todas as bombas local para matar tudo o que por ali tivesse vida. Tudo. Não se sabe ao certo o número de mortos, nem talvez se venha a saber. Sendo a mãe de todas as bombas dá para poder imaginar o grau de destruição da dita bomba. Lampeiro, no meio de militares, Trump, aplaudiu a explosão, afirmando que com ele não se brinca e dará cabo do Daesh.
Dias antes tinha falado dos bebés gazeados, pequenos bebés, e a sua “indignação” levou-o a puxar pelo gatilho e a matar o que os Tomahawks encontrassem. Nos dias seguintes, a China, que era o arqui-inimigo dos EUA durante a campanha eleitoral, passou a país de estimação com quem Trump assegura irá cooperar para a resolução do problema coreano… caso contrário, ele trata daquele país sozinho.
Trump, mesmo enquanto candidato, nunca foi de fiar. Agora, enquanto Presidente, mais parece uma espécie de catavento em busca da melhor direção soprada pelos conselheiros que lhe estejam mais à mão e ordenar o bombardeamento da Síria com 59 misseis Tomahawks ou o longínquo Afeganistão, em ruínas, com a mãe de todas as bombas.
Do que se consegue alcançar, a sua estratégia passou pelo bombardeamento da Síria (antes de se apurar os autores do criminoso gazeamento de gente indefesa com gás sarin) e do Afeganistão com a mãe de todas as bombas para ver se com tais atos de guerra alcançava algum relevo internacional. Canhoneira, acima de tudo.
Trump é o produto de uma elite inculta que confunde a riqueza pessoal com a capacidade para governar e que tem no seu ADN a ideia de que tudo se pode alcançar com o poder do dinheiro. O seu mundo é uma espécie de torres, como as suas na 5.ª Avenida de Nova Iorque; o outro mundo é o de gente miserável que não soube vingar e enriquecer como ele e os seus amigos…
Basta ter montanhas de dinheiro (obtido com a esperteza conhecida de quem despreza os concidadãos e as regras da vida pública) para, com base nesse atestado, chegar ao poder e fazer o que queira. Confundir a capacidade de um empreiteiro para ganhar dinheiro de mil maneiras com a capacidade para governar um país, por acaso o mais poderoso, é um monumental logro que nos diz muito do mundo em que vivemos.
Trump trata o mundo como alguém que não faz a mínima ideia do que resulta das várias placas do passado civilizacional que as diversas culturas foram gerando e que o configuram na atualidade. No plano interno, não imagina os equilíbrios entre as diversas instituições que compõem os EUA. Para ele, os tribunais que revogam os seus decretos presidenciais não defendem a segurança dos EUA. Confunde grosseiramente o mundo, a civilização, a cultura, com os estúdios da Fox ou de qualquer televisão de “reality shows” onde sempre se impôs com o boné à cidadão bronco dos EUA. Trump não tem a arte de saber ponderar e rodear-se de dirigentes ponderados que lhe digam em que bases assenta o mundo atual.
Para Trump, os conflitos resolvem-se acrescentando conflitos; nunca lhe passará pela cabeça que no mundo dos nossos dias ninguém vai resolver nada sozinho, por mais força que tenha.
Tudo isto é Trump; a lástima é que os líderes da União Europeia arreiem as calças quando Trump dispara.
Se o mundo era um local inseguro, com este adolescente perdido com obnubilações pelo seu novo poder ficou mais inseguro.

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