(…)
Como nos recorda o caso Watergate, sempre houve
interferências.
(…)
Musk e Bezos não compraram negócios, compraram
poder político para fazer crescer negócios que dependem do Estado. Cumprida a
função, abandonarão as carcaças destas marcas.
(…)
Segundo Thomas Piketty, a concentração da
riqueza era, nas vésperas da crise financeira de 2008, semelhante a antes de
1929.
(…)
Desde então, as coisas agravaram-se. 1% dos
norte-americanos detêm quase um terço da riqueza.
(…)
Num país de 330 milhões, 130 mil famílias
concentram 14% da riqueza.
(…)
Apesar de relacionadas, pobreza e desigualdade
são coisas diferentes.
(…)
Desigualdade económica é desigualdade de poder.
Acima de um determinado nível, a democracia torna-se inviável.
(…)
É o ponto em que estamos: os homens mais ricos
do mundo concentram tanto poder que nenhum Estado os consegue limitar.
(…)
A privatização de funções soberanas do Estado,
como a defesa e a exploração espacial, oferece-lhes o poder de definir o futuro
do mundo e fazer dos Estados seus reféns.
(…)
Assistimos ao ocaso da democracia. O
crescimento da extrema-direita é apenas mais uma fase de um processo que se
iniciou, paradoxalmente, com o fim do perigo comunista, que obrigava o
capitalismo a refrear-se.
(…)
Quer pela concentração de poder, quer pela
natureza global deste novo capital, estes déspotas bilionários não precisam das
velhas democracias nacionais.
(…)
Mas precisam dos Estados para continuar a
concentrar dinheiro, que é poder.
(…)
Elon Musk disse que era preciso tirar o Estado
dos bolsos dos contribuintes.
(…)
Segundo uma investigação de 2021, não pagou
impostos federais sobre o rendimento em 2018. Bezos não os pagou em 2007 e
2011; Soros não pagou três anos consecutivos, e Buffett pagou uma taxa de 0,1%
entre 2014 e 2018.
(…)
Naqueles bolsos o Estado só entra para deixar
dinheiro.
(…)
A Tesla tem quase o monopólio na rede de
carregamento de carros elétricos nos EUA e recebe milhares de milhões em
incentivos. A Amazon assinou contratos de dezenas de milhares de milhões com a
NSA, o Pentágono, o Departamento de Defesa e a CIA para usar a sua rede na
cloud.
(…)
Mas não é o sistema económico que lhes garante
o poder que querem fragilizar. É o sistema democrático que protege o povo do
poder.
(…)
[Os democratas] permitiram e promoveram esta
brutal concentração de riqueza, que é poder.
(…)
Descobrem, tarde demais, que a democracia é
inviável se não redistribuirmos uma e outra coisa.
Daniel Oliveira, “Expresso”
(sem link)
Da
semana que passou, apesar das dezenas de especialistas convidados para falar
sobre a morte do Odair e os consequentes incidentes, foi Claúdio Gonçalves
“Tibunga” – modelo e morador do Bairro do Zambujal – que disse na televisão o
mais óbvio e certeiro.
(…)
[Disse
Claúdio Gonçalves “Tibunga”] “Quando
mataram o meu amigo não quiseram saber, quando começaram a incendiar caixotes
começaram a interessar-se”.
(…)
Como
profissional que actua sobre desigualdades, pobreza e justiça social,
evidentemente que me desagrada a falta de atenção mediática regular a estes
assuntos.
(…)
Infelizmente
generalizou-se a expressão “Estado de Direito”, adequando-a apenas ao aparelho
repressivo. E pondo o ónus sobre aqueles a quem não oferecemos os restantes
direitos do Estado: saúde, habitação, cultura, cidadania, educação e emprego.
(…)
Solidificar esses direitos (…) nunca
será despesa, mas sempre investimento.
(…)
Aqueles que acham que a semana que passou
permitiu uma mais sensibilidade e caminhos de política pública enganam-se.
(…)
À mesma hora a que o Governo se encontrava com
um conjunto de associações (…) o Estado despejava cerca de 80
moradores no Monte da Caparica através do Instituto de Habitação e Reabilitação
Urbana.
(…)
É este
o dia seguinte para quem não os ouve mais, que é o mesmo dia de todos os outros
de quem lá vive, até nova explosão.
António Brito Guterres, “Público” (sem link)
A proximidade das eleições americanas, a cinco dias de
assinarem - distintivamente e com carimbo - boa parte do que será destino,
causa e consequência do Mundo nos próximos anos, é motivo para nervosismo
global e para algum imobilismo geral até que as definições existam.
(…)
São dias de imobilidade, dias invisíveis, quase vazios, horas
nada pequeninas até ao momento do parto americano. Há um Mundo suspenso.
(…)
Desde então [2016], o que ambas as forças políticas disseram
aos seus eleitores é que não se importavam de jogar no campo da demagogia e do
populismo.
(…)
O aparecimento de um ser humano “normal” [Kamala Harris]na
campanha fê-la maior que o recente atentado ao adversário.
(…)
A sorte democrata é mesmo a de ter um opositor assim: um
candidato republicano com mais capacidade já teria tomado esta eleição como sua.
(…)
Agora, se [Trump] derrotar Kamala, será a condenação ao
“Ground Zero”, epidémico, transmissível, doentio. Tudo suspenso.
“Se eu fosse Presidenta da República”, (…)
teria agido de forma diferente do Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa
[aquando do assassinato de Odair Moniz às mãos da polícia].
(…)
A pena
de morte não existe em Portugal. A polícia é uma instituição do Estado. A
polícia mentiu, neste caso, de forma reiterada.
(…)
A polícia opera num contexto social marcado por
um racismo estrutural profundo e persistente, ao qual ninguém é imune.
(…)
Qualquer viés preconceituoso no desempenho das
suas funções pode resultar em graves injustiças, com consequências
potencialmente fatais.
(…)
A polícia tem um historial de infiltração de
grupos de extrema-direita. A extrema-direita instrumentaliza a polícia para
fins políticos.
(…)
A situação criou medo, desamparo e revolta nas
populações que se identificaram com Odair Moniz.
(…)
Era precisamente aqui que o Presidente deveria
ter assumido um papel fundamental, em vez de se refugiar num silêncio
ensurdecedor.
(…)
A
função de chefe de Estado implica mais do que uma aparição cosmética, é uma
posição em que deve também agir como mediador, como consciência moral do país.
(…)
Ao
colocar ao mesmo nível as vozes de ódio da extrema-direita com as que pediram
justiça nas manifestações de sábado, sugere uma desresponsabilização
preocupante.
(…)
O não
posicionamento em relação à morte de Odair Moniz é mais do que uma omissão
discursiva, é uma omissão de responsabilidade institucional.
(…)
O
Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, possui não apenas autoridade, mas também
um capital de simpatia e proximidade da população, o que contrasta fortemente
com o seu posicionamento na última semana.
Luísa Semedo, “Público” (sem link)
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