terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A DISCRIMINAÇÃO ENTRE PAÍSES NA UE



A ordem instalada na União Europeia (UE) – dá vontade de lhe chamar tirania – faz lembrar o romance de George Orwell “O triunfo dos porcos” onde a luta dos animais de uma quinta contra a tirania dos homens leva os porcos ao poder. No entanto, com o passar do tempo, a corrupção instala-se e surge nova tirania em que o chefe passou a impor o princípio segundo o qual “todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que outros”…
 Este parece ser o princípio actualmente seguido pelo directório europeu onde a prática leva a entender que na UE todos os países são iguais mas alguns são mais iguais que outros.
O regime de excepção atribuído recentemente ao Reino Unido é o último de muitos exemplos da discriminação reinante entre os países constituintes da União, onde os mais pobres são obrigados ao “respeito por regras” que supostamente deveriam ser iguais para todos mas onde, ao mesmo tempo, os mais fortes estão dispensados do seu cumprimento.
A verdade é que o acordo alcançado na semana passada entre a UE e o Reino Unido acaba por constituir mais um passo na desconstrução do projecto europeu em que poucos já acreditam.  
Uma UE de senhores e outra de servos é o que José Vitor Malheiros denuncia no seu artigo de opinião no Público de hoje, do qual retirámos os excertos seguintes:
O acordo alcançado na semana passada entre o Reino Unido e os restantes países-membros da União Europeia, que se saldou, segundo a declaração do primeiro-ministro britânico, David Cameron, na atribuição de um “estatuto especial” para o seu país (o Conselho Europeu chama-lhe “a new settlement for the UK within the EU”), constitui mais um prego no caixão da União Europeia, independentemente do resultado do referendo britânico de Junho.
O acordo veio provar mais uma vez que, no seio da UE, não existe igualdade nos direitos dos Estados-membros e que não existe princípio plasmado nos tratados que não possa ser esquecido ou modificado, se isso for feito para benefício de um país rico e poderoso e para conveniência e reforço interno de um governo de direita.
Mas não é apenas o teor do acordo – que ainda não sabemos se e como será posto em prática – que revela como esta União Europeia está disposta a abandonar algo tão fundamental como o princípio da igualdade entre Estados. Também a forma como a chamada “maratona negocial” decorreu mostrou uma organização opaca, comandada por um directório político clandestino e por uma burocracia de interesses inconfessados. De facto, apesar de a negociação ter sido anunciada – e encenada – como uma discussão aberta entre o Reino Unido (de um lado) e os dirigentes dos restantes 27 Estados da UE (do outro), que certos relatos jornalísticos pretendiam fazer-nos imaginar sentados à mesa em mangas de camisa durante 30 horas de acaloradas discussões e duras trocas de argumentos, o que houve foi uma longa ronda de encontros bilaterais entre os grandes da UE e apenas ocasionalmente com os médios, em que ainda não se conseguiu perceber o que receberam em troca os países que começaram por se opor às pretensões britânicas e que acabaram por as aprovar.
O que é especialmente chocante é que as instâncias dirigentes da UE decidiram ceder à chantagem britânica não porque houvesse de facto algum problema social ou financeiro relevante no país devido à imigração em massa (que a direita nacionalista britânica agita como principal papão e que Cameron decidiu abraçar como causa própria por razões eleitoralistas), mas, simplesmente, porque isso se transformou numa questão de sobrevivência para o Governo conservador.
De facto, não há nenhuma urgência no Reino Unido que possa justificar a medida excepcional agora tomada ou que se possa comparar, de perto ou de longe, à importância da crise das dívidas soberanas dos últimos sete anos e à destruição social e económica causada pelas políticas de austeridade. No entanto, a propósito da Grécia, que continua a viver uma situação de emergência social, ou de Portugal, a União Europeia não sentiu necessidade de considerar para estes países nenhum “new settlement within the EU” e forçou-os a adoptar políticas recessivas e de promoção da desigualdade sem quaisquer contemplações. Como também não sentiu necessidade de adoptar quaisquer medidas vigorosas de defesa dos direitos humanos – que deveriam ser a pedra basilar da União Europeia – perante os desvios antidemocráticos de certos países (com a Hungria de Viktor Orban à cabeça). Como também não sentiu necessidade de lançar (mesmo) um programa de emergência de acolhimento dos refugiados de África e do Médio Oriente e continua a arrastar os pés enquanto o Mediterrâneo se enche de cadáveres. Como também não sente nenhuma pressão para construir uma política externa que sirva os interesses da paz e do desenvolvimento, em vez de uma que apenas serve os interesses hegemónicos dos EUA e dos fabricantes de armamento.
(…)
O que este acordo vem mostrar de forma clara é a necessidade de reformar profundamente a UE, não à medida do Reino Unido e apenas para que Cameron consiga manter-se no poder, mas para podermos construir uma União Europeia diferente, de igualdade e dignidade para todos os Estados e todos os cidadãos, de direitos humanos e cultura, de democracia e desenvolvimento. Para isso será preciso mais do que um conselho europeu com uma falsa maratona negocial. Para isso será preciso partir o molde destes conselhos europeus que apenas reforçam o poder dos directórios. Será preciso fazer um reset completo do sistema.
Se o referendo britânico de Junho ditar a saída do Reino Unido, talvez tenhamos uma oportunidade de o fazer. Bem, desta vez.

Sem comentários:

Enviar um comentário