sexta-feira, 30 de junho de 2017

FRASE DO DIA (582)


Em termos relativos, nenhum país no mundo tem a superfície de eucaliptos de Portugal.
Francisco Louçã, Público

PROTECÇÃO DO CLIMA: A URGÊNCIA DE DECISÕES



Ainda não conhecemos as causas próximas que levaram à tragédia dos incêndios com origem em Pedrógão Grande – provavelmente serão várias – mas talvez não estejamos muito longe da verdade se apontarmos as alterações climáticas como a explicação mais profunda para o sucedido.
Para a ciência já é uma evidência que, se nada for feito para proteger o clima da Terra, dentro de poucas décadas a vida no nosso planeta tornar-se-á impossível. E são os seres humanos que estão a contribuir com a sua acção para se autodestruírem.
Infelizmente, a ignorância, o egoísmo, a má fé e a ganância dos principais decisores políticos do mundo e dos interesses que representam, vão adiando a tomada de decisões fundamentais no âmbito climático, as quais começam a ser decisivas para a protecção da vida na Terra. É o caso da actual administração americana, num país que é o principal responsável pelo ponto a que chegaram as alterações climáticas.
O seguinte artigo de opinião assinado por Bárbara Reis no Público de hoje deve causar-nos arrepios por nos mostrar com clareza aquilo que podemos esperar de Trump & Cª relativamente à defesa do clima… Retirámos do texto os seus links a fim de tornar a sua leitura mais leve.
É fascinante como as organizações mais ultraconservadoras dos EUA, para não dizer radicais e retrógradas, defendem com a mesma convicção que as mulheres devem ser obrigadas a ter filhos com malformações profundas, que o casamento gay é errado e que a actividade humana não está na origem das alterações climáticas.
Como se ser-se conservador nos costumes fosse sinónimo de cepticismo em relação à ciência. E ser-se socialmente liberal nos tornasse mais racionais e confiantes na investigação científica.
Mas mais interessante ainda é procurar os nomes de quem financia o “contramovimento das alterações climáticas”.
Desde 1997, um ano marcado pelas negociações pré-assinatura do Protocolo de Quioto, foram identificados vários financiadores desta causa bizarra. Há nomes conhecidos como as Fundações Scaife, que apoiam doidos como a Reason TV. Há nomes obscuros como o Knowledge and Progress Fund, o Heartland Institute e o Americans for Prosperity. E há os clássicos, como a ExxonMobil e os irmãos Koch (só Charles e David Koch, donos de um conglomerado de petróleo, gás e químicos com sede no Kansas, ofereceram nos últimos 20 anos 100 milhões de dólares a 84 grupos que negam a responsabilidade humana nas alterações climáticas).
Entre 2003 e 2010, a “causa céptica" recebeu 500 milhões de dólares, um quinto do apoio dado às organizações ambientalistas. A desproporção é no entanto mitigada pelo (diferente) uso que ambas fazem do dinheiro. Os “cépticos” investem em lobbying (a congressistas ou estudantes) e os que confiam na ciência investem na procura de soluções (como desenvolver uma indústria de painéis solares na China).
De onde vêm estes 500 milhões? A origem do dinheiro dos “cépticos” é cada vez mais secreta. Uma das razões chama-se Donors Trust e Donors Capital Fund, fundos criados logo a seguir a Quioto para “proteger as intenções dos doadores libertários ou conservadores” que “se dedicam aos ideais do 'governo pequeno', da responsabilidade pessoal e da livre iniciativa”. Garantem sigilo a quem dá dinheiro e garantem a sua distribuição pelas “causas certas”. Por outras palavras, são caixas negras impossíveis de escrutinar.
Não espanta que os milionários cépticos tenham pudor. A ciência é esmagadora. Passariam por tolos. A NASA diz que o nível do mar subiu 20 centímetros no último século e que nos últimos 20 anos o ritmo da subida foi duas vezes mais rápido; que a temperatura aumentou 1,1 graus Celsius desde o século XIX, “uma mudança sobretudo causada pelo aumento de dióxido de carbono e outras emissões produzidas pelo homem que são lançadas para a atmosfera”; que a superfície de gelo da Antárctida perdeu 152 quilómetros cúbicos de gelo só entre 2002 e 2005; que os glaciares estão a derreter em todo o planeta (Alpes, Himalaias, Andes, Alasca e África); que a acidez das camadas superficiais da água do mar aumentou 30% desde a Revolução Industrial; e que o mês de Maio de 2017 foi o Maio mais quente de sempre em 137 anos de registos.
Há dias, em duas audiências separadas no Senado, o democrata Al Franken, que foi comediante antes de ser político, fez várias perguntas simples e directas a dois membros da Administração Trump sobre alterações climáticas. Fica-se sem saber se é melhor rir ou chorar. Ryan Zink, secretário do Interior, e Rick Perry, secretário da Energia, não conhecem sequer os dossiers. Zink, que no passado defendeu que os glaciares derretem de “forma consistente” há milhares de anos, não soube (ou não quis arriscar) responder à pergunta: “Que previsões fazem os cientistas que trabalham para o Governo em relação ao aquecimento global?”. Já Perry disse que o melhor será encomendar-se um exercício estilo cientistas pró versus cientistas contra e esperar pelos resultados. Franken fez-me rir como quando eu me ria com os seus sketches. “Mas isso já foi feito e sabe quem pagou? Os irmão Koch! Os irmãos Koch! E sabe qual foi o resultado? Igual a todos os outros estudos.” Zink e Perry também acham que a NASA inventou aquilo de um homem ter ido à Lua.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

7 JULHO: SESSÃO PÚBLICA, PORTIMÃO EM BOAS MÃOS



FRASE DO DIA (581)


A guerra virtual está a bater-nos à porta com cada vez mais violência e armas mais potentes.

NOVA LEI DOS BALDIOS APROVADA POR MAIORIA PARLAMENTAR



Quando se afirma que a actual fórmula governativa está esgotada porque já atingiu os seus objectivos, pretende-se subestimar a sua importância e esvaziar muitas metas que a direita não quer ver atingidas. Ao longo destes (quase) últimos dois anos tem-se provado que, passo a passo, ainda que num quadro adverso, tem sido possível reverter algumas malfeitorias que a coligação PSD/CDS tinha feito às populações. Uma delas foi a aprovação na anterior legislatura de uma lei dos baldios tendente a destruir paulatinamente esta forma de propriedade comunitária, introduzindo-lhe elementos tendentes à sua privatização”.
O Bloco avançou na actual legislatura com “uma nova lei que revertesse os anteriores passos privatizadores da maioria de direita e acabasse com os alçapões legais que privavam as comunidades dos rendimentos dos baldios”, como afirma Carlos Matias, deputado do BE no seguinte artigo de opinião que transcrevemos do Público de hoje. A referida lei acaba de ser aprovada na AR pela actual maioria de esquerda.
Os baldios são terrenos de gestão e uso comunitários, constituindo uma realidade multissecular de espaços tradicionalmente fruídos por comunidades locais. Ao longo dos séculos, foram objeto de cobiça dos mais poderosos e do próprio Estado Novo, sendo conhecidos os muitos episódios de apropriação, consumada ou não, dos bens possuídos por esta forma de propriedade comunitária. Todos estes ataques enfrentaram a contestação das populações e originaram revoltas.
Na anterior legislatura, a maioria PPD/PSD e CDS-PP aprovou uma lei para destruir paulatinamente esta forma de propriedade comunitária, introduzindo-lhe elementos tendentes à sua privatização. Por essa via, a direita satisfez interesses económicos que vislumbram na apropriação dos baldios uma nova fonte de rendimento, para benefício próprio, em detrimento das comunidades locais. Assim se explica todo o interesse em permitir a extinção de baldios, abrindo o caminho à sua privatização. Tudo assente na negação do princípio secular de que os baldios estão fora do comércio jurídico e são propriedade das comunidades locais.
Na atual legislatura, o Bloco de Esquerda avançou com uma nova lei que revertesse os anteriores passos privatizadores da maioria de direita e acabasse com os alçapões legais que privavam as comunidades dos rendimentos dos baldios. O Bloco tomou a iniciativa, apresentou e agendou um projeto-lei nesse sentido
Acaba agora de ser aprovada, na Assembleia da República, uma nova Lei dos Baldios, após meses de intenso trabalho e negociações que permitiram acordar um texto conjunto entre PS, BE, PCP e PEV. Trata-se de um diploma que responde ao essencial das preocupações das comunidades locais. Mas que irrita profundamente a direita.
Percebe-se, pois as mudanças são muitas. A nova lei respeita escrupulosamente o princípio constitucional da propriedade comunitária, assenta no respeito pelos diversos usos e costumes e defende a gestão comunitária de ingerências exteriores.
Apenas alguns exemplos:O melhor do Público no emailSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.Subscrever ×
- Na lei atual podem ser celebrados contratos de cessão e exploração e também de arrendamento. A admissão de arrendamento corresponde a descaracterização dos baldios como propriedade comunitária, procurando-se assim confundir a propriedade comunitária com a privada. Na proposta aprovada não se admite o arrendamento de baldios.
- A lei ainda em vigor prevê a obrigatoriedade de planos de utilização dos baldios. A proposta aprovada afasta a possibilidade de, por lei ou regulamento, se impor condições mais gravosas nos planos de utilização do que as aplicáveis sobre propriedades privadas.
- No que se refere ao direito às receitas provenientes dos baldios submetidos ao regime florestal depositadas e ainda não recebidas, a lei atual prevê a prescrição do direito decorridos três anos a contar do início de Setembro de 2014. Na proposta agora aprovada, os compartes mantêm o direito a receber essas receitas.
- Na lei atual não consta menção ao direito às águas dos baldios. Segundo a proposta agora aprovada, as águas integrantes dos baldios podem ser usufruídas pelos compartes de acordo com os usos e costumes, sem prejuízo de as águas nele nascidas, que estiverem a ser destinadas a uso público, conforme prevê a lei 54/2005, serem públicas.
- Pela lei atual a cessação do regime de administração de baldios em associação com o Estado opera-se por deliberação da assembleia de compartes. Na proposta prevê-se que a cessação ocorre impreterivelmente também depois de decorridos 50 anos após a entrada em vigor do decreto-lei aplicável.
A nova Lei dos Baldios, agora aprovada, é de facto um passo em frente na recuperação do direito das comunidades aos seus baldios e defende-os de ataques privatizadores. Uma lei, só por si, não resolve todos os problemas, sabemo-lo. Esta não será exceção. Mas melhora radicalmente o quadro em que trabalham as comunidades locais e as associações de baldios. E há muito trabalho a fazer, para ajudar a ultrapassar casos de fragilidade na gestão que, de facto, subsistem.
Confiamos nos povos e na sua capacidade para encontrar novas formas de gestão amplamente democrática, sem tutelas, rentáveis, respeitadoras do ambiente e de que, muito justamente, beneficiem as comunidades.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

FRASE DO DIA (580)


De acordo com a avaliação realizada pela Conferência Ministerial para a protecção das florestas na Europa, a área florestal em Portugal diminuiu 7,39% nos últimos 25 anos, ao contrário de outras regiões mediterrânicas onde se verificou um aumento de 18 a 33%.
Maria Amélia Martins-Loução, Público

DIRIGENTE DO SINDICATO DOS ENFERMEIROS ENTREVISTADA PELO CM



ORIGENS SOCIAIS DAS TRAGÉDIAS DE LONDRES E PEDRÓGÃO



A recente tragédia com origem nos incêndios ocorridos na região centro do país de que resultaram, até ao momento, 64 mortos, tem feito correr muita tinta na comunicação social escrita, em alguns casos com análises superficiais e para consumo imediato mas noutros em que se procuram as razões profundas para o que sucedeu. Está neste último caso um artigo de opinião recolhido no Expresso do passado sábado e que reputamos de muito interessante. O seu autor, Nuno Pinto, Professor de planeamento urbano da Universidade de Manchester, analisa, sob o ponto de vista social, os incêndios de Pedrógão Grande e da Torre Grenfell, não tendo dúvidas em afirmar que as duas tragédias resultam “claramente da combinação da austeridade com o aumento da desigualdade”, intensificadas recentemente com as duras medidas tomadas pelos governos de direita, tanto em Portugal como no Reino Unido. É óbvio que foram os pobres os mais afectados. É inconcebível que ambas as tragédias tivessem a dimensão que tiveram caso ocorressem em zonas “nobres” das maiores cidades portuguesas ou em “bairros caros de Londres”.
Em apenas quatro dias morreram 64 pessoas no incêndio de Pedrógão Grande e mais de 70 no incêndio da Torre Grenfell em Londres. Ambas as tragédias são inadmissíveis e são exemplos flagrantes dos tempos que vivemos, ilustrando as consequências da austeridade e do aumento da desigualdade que atingem as populações mais pobres. Ambas as tragédias dificilmente teriam esta dimensão no centro de Lisboa ou nos bairros caros de Londres.
Em ambos os casos há uma falha inquestionável do Estado em proteger os cidadãos. Em ambos os casos estes cidadãos pertencem, por razões diferentes, a classes não favorecidas pela sociedade e também pelo Estado.
Em Londres, os mais pobres viram a sua habitação social ser embelezada com materiais mais baratos (e inflamáveis), resultado da privatização desregulada de serviços públicos (a gestão da torre estava entregue a uma empresa que não respondia às necessidades dos habitantes) e dos cortes em políticas sociais (redução dos inspetores de habitação).
Em Pedrógão Grande, as pequenas comunidades rurais (destes lugarejos como muitas vezes são apelidados pelas populações urbanas e pelos media) viram o fogo matar os seus membros e consumir as suas casas sem que houvesse capacidade de intervenção das forças de socorro, que por muita vontade que tenham não conseguem subverter a falta de pessoal e a falta de recursos que sucessivos cortes trouxeram aos seus magros orçamentos.
Houve um degradar da capacidade institucional do Estado ao reduzir e retalhar as competências da floresta em múltiplos organismos, denotando um claro desprezo pela infraestrutura de conhecimento técnico existente no Estado. Ao mesmo tempo, a classe política quer a contribuição do corpo de especialistas científicos e técnicos para o desenho das políticas públicas de ordenamento territorial e florestal e de prevenção, mas rejeita esta abordagem (de evidence-based policy), privilegiando sucessivamente o combate, como se deduz da não implementação da maior parte das ações do PNDFCI. Este enfoque no combate está ilustrado no aumento do investimento nos corpos de bombeiros, mais 26% de 2006 a 2015, acompanhado pela impressionante diminuição do número de bombeiros –— no mesmo período o país perdeu mais de 13 mil efetivo (menos 31%!), resultado talvez do despovoamento do interior.
A dimensão das tragédias em Londres e em Pedrógão Grande resulta claramente da combinação da austeridade com o aumento da desigualdade.
Austeridade: em Londres, os apartamentos estavam cobertos de material barato e inflamável; em Pedrógão Grande, as florestas deixaram de ser geridas pelos antigos corpos florestais do Estado e as corporações de bombeiros combatem o fogo sem recursos humanos suficientes para proteger as populações.
Desigualdade: em Londres, os apartamentos estavam sobrelotados (o número real de vítimas é desconhecido); em Pedrógão Grande, a interioridade e o desinvestimento na floresta despovoam e isolam ainda mais as pequenas comunidades.
Austeridade: menos conhecimento no desenho das políticas públicas, menor contributo de especialistas.
Desigualdade: nas zonas urbanas há planos de emergência para grandes fogos, nas zonas rurais não.
É um círculo vicioso. A austeridade cortou serviços fundamentais às populações mais desfavorecidas gerando ainda mais desigualdade, social no caso de Londres, territorial e também social no caso de Pedrógão Grande.
Só podemos esperar que o atual interesse no interior não seja mais uma paixão e se transforme numa iniciativa perene que congregue todo o espectro político para um verdadeiro combate às gritantes desigualdades territoriais em Portugal.