terça-feira, 20 de junho de 2017

INCÊNDIOS FLORESTAIS



Num conhecido blog podemos ler um cartaz em que se declara que “Portugal é talvez o único país do mundo que não tem serviços florestais nem corpo de guardas florestais”. Duvidamos que esta afirmação seja totalmente verdadeira mas estamos crentes de que, apesar do exagero que contém constitua uma boa chamada de atenção.
Do que não duvidamos é que a tragédia de Pedrógão Grande tem uma causa global que é a das alterações climáticas que se vêm sentindo de forma galopante nas últimas décadas e causas locais que não têm sido abordadas pelos sucessivos governos, com vontade política de as enfrentarem.
É nesta última abordagem que consiste o artigo de opinião seguinte, que capturámos no Público, assinada por João Camargo, Engenheiro do Ambiente e conhecido especialista em questões climáticas.  
Estavam 40ºC ao fim da tarde em Lisboa. Em Santarém, o termómetro batia nos 45ºC. Ao mesmo tempo, em Pedrógão Grande, estavam 41ºC, e ventos fortes e irregulares. Parece que os incêndios entre o Norte do Alentejo e Coimbra tinham começado muito mais cedo, provocados por invulgares trovoadas secas. A Sul do país e em Lisboa tinha mesmo chovido, e, com um calor infernal e gotas grossas caindo, poderia dizer-se que estávamos bastante a sul, num clima tropical. No site do Instituto Português do Mar e da Atmosfera dizia “Estamos fora do período crítico até 30 de Junho” em relação ao risco de incêndio, o que é o velho “normal”. No ano passado, na Madeira, em Agosto, com um clima bem mais húmido mas não menos quente, os incêndios florestais chegaram à noite à cidade do Funchal e também colheram vidas à sua passagem. Qual será o “novo normal” do clima onde vivemos? Ainda estamos a descobrir.
Mas, e o velho clima? Por que é que Portugal arde tanto mais que os restantes países mediterrânicos? O clima da zona mediterrânica é, de facto, propício à ocorrência de incêndios florestais no verão, fenómeno natural e ao qual a nossa flora e fauna (incluindo a humana) estavam adaptados. Ora, as últimas décadas viram um aumento da ocorrência de incêndios florestais, de área ardida e de ignições em Portugal. Um aumento que não foi acompanhado pelos nossos vizinhos de clima: Espanha, Grécia, Itália, Marrocos, Argélia. Em 1980, Portugal teve um registo de 2349 ocorrências de incêndios florestais e uma área ardida de 44 mil hectares. Em 2016, ano de baixas ocorrências, Portugal teve um registo de 13.079 e uma área ardida de 160 mil hectares. Em média passámos de 73 mil hectares de área ardida por ano na década de 80 para 150 mil hectares de área ardida por ano na década de 2000. O que mudou?
Além do clima, mudou o abandono rural e florestal, que explodiu e foi alimentado e explorado pela expansão descontrolada das plantações industriais de eucalipto e pela pequena plantação desordenada de eucalipto e pinheiro. Com o abandono, Portugal passou a ter uma floresta de matos, acácias, mimosas e eucaliptos para abastecer as fábricas da agora Navigator Company (ex-Portucel), da Altri, da Europac&Kraft e da Renova. E querem mais, como nos recordaram há menos de um ano atrás, que “Portugal devia estar orgulhoso de ter o eucalipto”. Nunca referem que somos o país com a maior área relativa do planeta. Nem Austrália, nem China, nem Brasil, mas Portugal. Mais de 9% de toda a área do país.
Não é uma novidade que o clima vai ficar mais quente. Além disso vai ficar menos húmido, o que significa que as condições para a existência de tragédias como Pedrógão Grande não só se repetirão nos próximos verões: repetir-se-ão ainda este verão. E os verões, que fruto das alterações climáticas podem perfeitamente começar em Maio e terminar em Outubro, farão com que o “período crítico” de incêndios passe de três meses a seis. Aliás, só entre 1 de Janeiro e 12 de Abril deste ano, Portugal já tinha registado 2900 incêndios florestais. A natureza do Eucalyptus globulus é que não vai mudar, o facto de ser altamente inflamável, de se incendiar rapidamente e de projectar cascas incandescentes a mais de dois quilómetros de distância também não.
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Portanto, colocamo-nos perante questões-chave sobre um novo futuro da floresta com alterações climáticas: se o que já tínhamos era uma floresta altamente vulnerável, essa vulnerabilidade só aumentará. Com o estado actual ou com mais abandono e mais monocultura inflamável (não só de eucalipto) e/ou desordenada, estamos a semear mais tragédias. As áreas florestais abandonadas devem ser nacionalizadas. O Estado deve geri-las. Deve ser travada imediatamente qualquer expansão de áreas de floresta industrializada. Introduzir um código florestal que ordena, organiza e vincula. Travar a desflorestação. Há espécies, maioritariamente autóctones, árvores bombeiras, que reduzem as ignições e a intensidade dos fogos florestais, e que têm de fazer parte de uma reconstituição da floresta nacional. Deve haver serviços florestais com pessoal e não gabinetes com poucos funcionários e sem capacidade de ir para o campo. É preciso mais milhares de guardas e vigilantes da natureza, um corpo totalmente subdimensionado para o país e as áreas protegidas que temos. Reforçar o combate. Não cumprimos o défice? A boa vontade do Eurogrupo para deixar o resgate de bancos de fora das contas também há-de servir para deixar o resgate do nosso território e das suas populações fora das folhas de Excel.
E continuará a haver fogos, mas menos incêndios catastróficos. Está na nossa mão fazer com que sejam menos violentos e menos frequentes. Para isso temos de tirar o apoio às celuloses e dá-lo às populações. E investir num futuro que não voe à vontade dos desejos de uma indústria que prolifera na decadência.

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