quarta-feira, 28 de junho de 2017

ORIGENS SOCIAIS DAS TRAGÉDIAS DE LONDRES E PEDRÓGÃO



A recente tragédia com origem nos incêndios ocorridos na região centro do país de que resultaram, até ao momento, 64 mortos, tem feito correr muita tinta na comunicação social escrita, em alguns casos com análises superficiais e para consumo imediato mas noutros em que se procuram as razões profundas para o que sucedeu. Está neste último caso um artigo de opinião recolhido no Expresso do passado sábado e que reputamos de muito interessante. O seu autor, Nuno Pinto, Professor de planeamento urbano da Universidade de Manchester, analisa, sob o ponto de vista social, os incêndios de Pedrógão Grande e da Torre Grenfell, não tendo dúvidas em afirmar que as duas tragédias resultam “claramente da combinação da austeridade com o aumento da desigualdade”, intensificadas recentemente com as duras medidas tomadas pelos governos de direita, tanto em Portugal como no Reino Unido. É óbvio que foram os pobres os mais afectados. É inconcebível que ambas as tragédias tivessem a dimensão que tiveram caso ocorressem em zonas “nobres” das maiores cidades portuguesas ou em “bairros caros de Londres”.
Em apenas quatro dias morreram 64 pessoas no incêndio de Pedrógão Grande e mais de 70 no incêndio da Torre Grenfell em Londres. Ambas as tragédias são inadmissíveis e são exemplos flagrantes dos tempos que vivemos, ilustrando as consequências da austeridade e do aumento da desigualdade que atingem as populações mais pobres. Ambas as tragédias dificilmente teriam esta dimensão no centro de Lisboa ou nos bairros caros de Londres.
Em ambos os casos há uma falha inquestionável do Estado em proteger os cidadãos. Em ambos os casos estes cidadãos pertencem, por razões diferentes, a classes não favorecidas pela sociedade e também pelo Estado.
Em Londres, os mais pobres viram a sua habitação social ser embelezada com materiais mais baratos (e inflamáveis), resultado da privatização desregulada de serviços públicos (a gestão da torre estava entregue a uma empresa que não respondia às necessidades dos habitantes) e dos cortes em políticas sociais (redução dos inspetores de habitação).
Em Pedrógão Grande, as pequenas comunidades rurais (destes lugarejos como muitas vezes são apelidados pelas populações urbanas e pelos media) viram o fogo matar os seus membros e consumir as suas casas sem que houvesse capacidade de intervenção das forças de socorro, que por muita vontade que tenham não conseguem subverter a falta de pessoal e a falta de recursos que sucessivos cortes trouxeram aos seus magros orçamentos.
Houve um degradar da capacidade institucional do Estado ao reduzir e retalhar as competências da floresta em múltiplos organismos, denotando um claro desprezo pela infraestrutura de conhecimento técnico existente no Estado. Ao mesmo tempo, a classe política quer a contribuição do corpo de especialistas científicos e técnicos para o desenho das políticas públicas de ordenamento territorial e florestal e de prevenção, mas rejeita esta abordagem (de evidence-based policy), privilegiando sucessivamente o combate, como se deduz da não implementação da maior parte das ações do PNDFCI. Este enfoque no combate está ilustrado no aumento do investimento nos corpos de bombeiros, mais 26% de 2006 a 2015, acompanhado pela impressionante diminuição do número de bombeiros –— no mesmo período o país perdeu mais de 13 mil efetivo (menos 31%!), resultado talvez do despovoamento do interior.
A dimensão das tragédias em Londres e em Pedrógão Grande resulta claramente da combinação da austeridade com o aumento da desigualdade.
Austeridade: em Londres, os apartamentos estavam cobertos de material barato e inflamável; em Pedrógão Grande, as florestas deixaram de ser geridas pelos antigos corpos florestais do Estado e as corporações de bombeiros combatem o fogo sem recursos humanos suficientes para proteger as populações.
Desigualdade: em Londres, os apartamentos estavam sobrelotados (o número real de vítimas é desconhecido); em Pedrógão Grande, a interioridade e o desinvestimento na floresta despovoam e isolam ainda mais as pequenas comunidades.
Austeridade: menos conhecimento no desenho das políticas públicas, menor contributo de especialistas.
Desigualdade: nas zonas urbanas há planos de emergência para grandes fogos, nas zonas rurais não.
É um círculo vicioso. A austeridade cortou serviços fundamentais às populações mais desfavorecidas gerando ainda mais desigualdade, social no caso de Londres, territorial e também social no caso de Pedrógão Grande.
Só podemos esperar que o atual interesse no interior não seja mais uma paixão e se transforme numa iniciativa perene que congregue todo o espectro político para um verdadeiro combate às gritantes desigualdades territoriais em Portugal.

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