quinta-feira, 1 de junho de 2017

EM DEFESA DA JUSTIÇA CLIMÁTICA


Tendo em atenção que as decisões anunciadas por Trump valem pouco, podendo sempre ser reversíveis a qualquer momento, as notícias que nos chegam nesta altura, indicam que o presidente dos Estados Unidos (EUA) já decidiu que vai retirar o seu país do acordo de Paris sobre alterações climáticas, assinado por Obama em 2015.
É bom não esquecermos as afirmações de Trump durante a campanha eleitoral no sentido de culpar os chineses de inventarem o problema das alterações climáticas, dando, o então candidato, a entender que se fosse eleito iria rever a posição dos EUA sobre os acordos de Paris. Além disso, sabendo-se que Trump é “profundamente ignorante do funcionamento do mundo” e ardente defensor das empresas petrolíferas e “grandes energéticas”, não custa nada acreditar que faça tábua rasa dos problemas climáticos que colocam em causa a própria sobrevivência da humanidade.
Para fazer face a loucuras destas, é fundamental a acção forte de um “movimento político global pela justiça climática, popular, social e transformador, que trave o petróleo e gás” como afirma José Camargo no seguinte artigo de opinião que assina no Público de hoje.  
As notícias acerca de uma tomada de decisão do Presidente Donald Trump sobre o Acordo de Paris, não sendo uma novidade, dão uma machadada no fraco acordo. Os EUA persistem em impedir um acordo global para travar as alterações climáticas, o que indica outros caminhos de acção multilateral e deve despertar as populações para a realidade inultrapassável de que a grande concertação internacional à volta das alterações climáticas foi sempre minada pelos interesses das empresas petrolíferas e das grandes energéticas, que aceitam ver o mundo a arder, desde que tal garanta mais duas ou três décadas de dinheiro a entrar nos cofres.
Donald Trump é o líder adequado para um petroestado: profundamente ignorante do funcionamento do mundo, alienado de qualquer conhecimento científico e focado numa narrativa medieval do excepcionalismo estado-unidense, cuja principal característica é a do “líder forte”. A sua única acção presidencial com nível de aceitação acima dos 50% foi bombardear outro país. Isto também explica a sua ligação a Vladimir Putin, líder do petroestado russo. Estes dois países são os maiores produtores combinados de petróleo e gás, e a acção concertada para desmantelar nacionalmente as restrições internas às emissões poluentes e internacionalmente o Acordo de Paris confirmam a intenção de serem a tábua de salvação da indústria do petróleo e do gás. Para tal, Trump assumiu uma agenda militante de negacionismo das alterações climáticas, mandando as agências públicas apagar referências nos seus sites à maior questão dos nossos tempos.
Mas no que diz respeito às petrolíferas, Trump não está assim tão distante dos seus antecessores. Foi durante o mandato de Obama que os EUA se tornaram os maiores produtores de petróleo e gás por fracking, suplantando a Arábia Saudita. Mesmo antes disso, os EUA sabotaram sistematicamente qualquer acordo internacional: desde a COP-1 em 1995, as petrolíferas estiveram representadas pelos EUA e forçaram o Protocolo de Kyoto em vez de uma taxa global sobre as emissões. Depois, os EUA recusaram-se a ratificar o protocolo que impuseram. O próprio Acordo de Paris só é um “acordo”, porque se fosse “tratado” e vinculativo Obama não o teria conseguido aprovar na Câmara dos Representantes dominada pelo Partido Republicano. Paris é apenas o último compromisso internacional sobre alterações climáticas destruído pela indústria petrolífera e pelos EUA.
Kyoto, com as suas metas de cortes de emissões vinculativas mas transaccionáveis, foi impotente para travar o aumento de emissões de dióxido de carbono a nível global. O Acordo de Paris, com metas nacionais não vinculativas, se fosse cumprido, ficaria preso num aumento de temperatura de 2,7ºC a 3,7ºC até 2100. Mas algo está a acontecer a nível energético à escala global, e os últimos três anos viram uma estagnação no nível de emissões de CO2. Além da explosão das energias renováveis, essa estagnação significa que a recta ascendente de produção de petróleo e gás nos EUA, em crescendo desde 2009, estabilizou. Apesar disso, o país de Trump continua a ser o maior responsável pelas alterações climáticas, já que é o maior produtor e o maior consumidor de produtos petrolíferos à escala global (a China é o maior emissor de dióxido de carbono, mas a maior parte dos produtos da sua indústria são exportados).
Este corte de emissões de CO2 a nível global é importante e dá-nos mais notícia do que uma tomada de decisão de Donald Trump: mesmo que os EUA se mantenham no Acordo, a probabilidade de o cumprirem é muito baixa. Por outro lado, a União Europeia está a embarcar no seu próprio resgate às petrolíferas, através do investimento massivo em gás natural, ignorando o gigantesco volume de emissões de metano (outro gás com efeito de estufa) nos processos de extracção, armazenamento e transporte e aumentando o aquecimento do planeta no curto prazo. Há homens que só querem ver o mundo arder.
O movimento político global pela justiça climática, popular, social e transformador, que trave o petróleo e gás e avance firmemente na direcção de um novo modelo energético e económico, sem ilusões acerca do processo negocial internacional como ele existe, continua a ser a melhor garantia para lidar com as alterações climáticas.

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