quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A MARGINALIZAÇÃO DAS COMUNIDADES AFRODESCENDENTES EM PORTUGAL



As comunidades afrodescendentes, não tenhamos a mais pequena dúvida, continuam fortemente marginalizadas em Portugal ou, melhor dizendo, esquecidas.
Num longo artigo de opinião que hoje assina no Público, Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo disserta sobre esta problemática, de forma muito assertiva. Do referido texto deixamos aqui o seguinte excerto.

Em Dezembro de 2013, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Década Internacional de Afrodescendentes. Com início a 1 de Janeiro de 2015 até 31 de Dezembro de 2024, sob o lema “Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”, lê-se na página da Década que “ao declarar esta Década, a comunidade internacional reconhece que os povos afrodescendentes representam um grupo distinto cujos direitos humanos precisam ser promovidos e protegidos”, afirmando no plano de ação que “reconhecemos que, em muitas partes do mundo, africanos e afrodescendentes enfrentam barreiras como resultado de preconceitos e discriminações sociais predominantes em instituições públicas e privadas, e expressamos o nosso compromisso em trabalhar pela erradicação de todas as formas de racismo, discriminação racial, xenofobia [...] enfrentadas pelos africanos e afrodescendentes”.
Em Portugal, as comunidades afrodescendentes estão económica, social e politicamente marginalizadas. A sua condição de subalternidade socioecónomica e política inscreve-se numa continuidade histórica que remonta à época da Escravatura e do Colonialismo, cujas consequências no acesso à igualdade continuam hoje bem marcadas nas suas vidas. As comunidades afrodescendentes contribuíram e continuam a contribuir para a construção do país, mas são das mais excluídas da sociedade. A manutenção do direito de sangue (jus sanguinis) em detrimento do direito de solo (jus solis) no acesso à nacionalidade portuguesa, o encaminhamento tácito dos seus jovens para as vias profissionalizantes no trajeto escolar, a sobre-representação na população prisional, a quase ausência na academia e invisibilidade na disputa e no espaço políticos, a violência simbólica e física através da violência policial, a estigmatização e guetização espacial, a fragilidade económica e a maior prevalência da precariedade laboral no seu seio são a consequência da sua relegação para uma segunda zona da cidadania.
O défice de reconhecimento, de justiça e de desenvolvimento está bem patente e explicito na violência da exclusão social com que se confrontam. A Década dos Afrodescendentes é muito mais do que um apelo ao reconhecimento dos problemas que enfrentam os afrodescendentes. É, antes, uma injunção à ação política, com a implementação de medidas concretas para responder aos problemas específicos com que se confrontam. Aliás, a ONU salienta que “os Estados devem desenvolver ou elaborar planos nacionais de ação para promover a diversidade, a igualdade, a justiça social, a igualdade de oportunidades e de participação de todos”. Ora, isto só é possível com um conhecimento apurado da realidade. Assim, a ONU defende claramente a recolha de dados étnico-raciais em que a “informação deve ser coletada para monitorar a situação dos afrodescendentes, avaliar o progresso realizado, aumentar sua visibilidade e identificar lacunas sociais. Também deve ser utilizada para avaliar e guiar a formulação de políticas e ações para prevenir, combater e erradicar o racismo, a discriminação racial, a xenofobia”.
E tal como constava no plano de ação da conferência mundial contra o racismo de Durban em 2001, por sua vez, o Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial, reunido entre Novembro e de Dezembro de 2016, voltou a recomendar entre muitas outras medidas a recolha de dados estatísticos étnico-raciais dos afrodescendentes.
Em Dezembro de 2016, precisamente no âmbito da avaliação do relatório português no Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial, numa carta aberta à ONU, ao Estado português e às instituições nacionais e europeias, cerca de 22 associações signatárias, que estiveram na origem da Plataforma Afrodescendentes Portugal, criticaram duramente o Estado por não terem sido ouvidas e, sobretudo, por este não reconhecer “a necessidade de políticas específicas” para as comunidades afrodescendentes e pela inexistência de compromisso do Estado português para com a Década Internacional de Afrodescendentes, cingindo-se a reafirmar “uma abordagem holística” do combate ao racismo que também contemplaria os afrodescendentes. Em resposta às críticas, o Estado português apressou-se a dizer que as “orientações da ONU não eram vinculativas”, nomeadamente pela voz do alto-comissário para as migrações e da secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.

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