sábado, 21 de outubro de 2017

UMA OPORTUNIDADE ÚNICA PARA RECONSTRUIR EM NOVAS BASES


Com o título “Seria um crime desperdiçar esta oportunidade”, José Vitor Malheiros (JVM) assina hoje no Público um excelente artigo de opinião onde aborda as recentes catástrofes associadas aos incêndios que assolaram de forma dramática a parte norte de Portugal.
Em vez de apresentar um rol de nomes de culpados, tão do agrado de muita gente que comenta a situação, JVM assenta a sua escrita na ideia de que o nível de destruição foi tão radical que permite uma reconstrução em novas bases como que partindo do zero em muitos casos e, portanto, tomando as medidas adequadas “para evitar que uma vaga de incêndios desta dimensão” jamais possa ocorrer.
Todas as catástrofes são lamentáveis. E todas exigem uma liderança determinada por parte dos dirigentes, para uma rápida adopção de medidas para minimizar os danos humanos e materiais. Mas as catástrofes são também, sempre, oportunidades para reconstruir. E para reconstruir de forma tanto mais radical quanto mais destrutivos tiverem sido os seus efeitos. Porque as grandes destruições obrigam a fazer tudo de novo e porque a determinação de todos em encontrar soluções que permitam evitar uma futura catástrofe é tanto maior quanto mais destrutivo tiver sido o efeito da última.
É por isso que, depois dos incêndios dos últimos dias e dos últimos meses e do seu macabro balanço, é o momento de exigir do Estado — do Governo, das autarquias, dos organismos do Estado — que ponha em prática todas as medidas necessárias para evitar que esta tragédia se volte a repetir. Não apenas para evitar que uma vaga de incêndios se salde de novo por este número elevadíssimo de mortos mas, de forma mais radical, para evitar que uma vaga de incêndios desta dimensão possa ocorrer de novo.
Hoje, depois de Pedrógão e depois do 15 de Outubro, existe uma consciência alargada de que algo de muito errado ocorreu em Portugal nas últimas décadas em termos de ordenamento do território, de política florestal, de gestão das florestas, de organização da protecção civil, de prevenção e combate aos incêndios, de fiscalização das florestas, de combate à desertificação do interior, de transferência de conhecimento para os decisores políticos, de formação profissional em todas estas áreas, etc.
Sabemos que todos permitimos que, em todos estes domínios, a situação se degradasse para além do aceitável. E sabemos que não é possível adiar por mais tempo a adopção das medidas necessárias nem a aplicação no terreno dessas medidas. Como sabemos que muitas dessas medidas serão difíceis de pôr em prática e que muitas afectarão interesses particulares. Hoje, os cidadãos portugueses sentem que fomos longe de mais no desleixo e na cedência a interesses ilegítimos e sabem que é necessário fazer alguma coisa.
Seria criminoso que o Governo desperdiçasse esta oportunidade. Seria imperdoável que todas estas vidas perdidas não pudessem pelo menos servir para evitar outras mortes e para resgatar outras vidas. O que a tragédia dos incêndios de 2017 já fez, pela sua dimensão, foi passar uma clara procuração ao Governo para resolver o buraco em que estamos. Uma procuração com carta-branca.
Hoje, depois de Pedrógão e depois do 15 de Outubro, depois de cem mortos e de um país em cinzas, o Governo possui mais do que o necessário apoio popular para tomar medidas radicais eficazes. Hoje não há desculpas para não tomar todas as medidas necessárias para prevenir os fogos, para preservar a floresta, para defender as vidas e o sustento das populações. Pode-se tomar medidas compulsivas de emparcelamento ou fraccionamento onde elas se revelem necessárias, expropriar terrenos onde isso for necessário para criar as infra-estruturas de prevenção e combate aos fogos, pode-se mandar cortar as árvores que se devem cortar, impor a diversificação das espécies onde ela seja aconselhável, restaurar os Serviços Florestais e repor os guardas florestais que faltam, pode-se ordenar o envolvimento das Forças Armadas na vigilância e combate a incêndios, pode lançar-se um programa de envolvimento das populações para a prevenção e combate aos fogos, podem aplicar-se as sanções necessárias a todos os prevaricadores, podem criar-se os corpos de sapadores florestais e de bombeiros profissionais, podem lançar-se medidas fiscais que incentivem a correcta gestão da floresta, podem impor-se responsabilidades de limpeza das matas, podem incluir-se de novo no Estado as responsabilidades que foram criminosamente negligenciadas quando saíram da sua alçada. Não há dinheiro? Até Bruxelas aceirará esse acréscimo ao défice... e sai mais barato que os incêndios.
António Costa pode fazer hoje na floresta o que o marquês de Pombal fez na Baixa e até poderia redesenhar a régua e esquadro as manchas florestais se o quisesse. Nunca voltará a haver outra oportunidade como esta. Seria criminoso (e estúpido) não a aproveitar para desenvolver o país.

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