Um conjunto de conhecidas personalidades de
vários quadrantes da vida portuguesa escreve no “Expresso” deste sábado um artigo,
com o título acima, em que defende a reedição da atual solução governativa na
próxima legislatura.
Aqui fica na íntegra o referido artigo.
Há quatro anos, celebrámos o fim de um
tabu. Era finalmente possível uma solução governativa suportada pelo conjunto
da esquerda. Foi preciso um Governo de direita de uma inaudita agressividade
social para o conseguirmos, quase meio século depois do 25 de Abril. Pela
primeira vez a esquerda deixou de se enredar em guerras pueris, que tantas
vezes entregaram o poder à direita, e centrou-se no essencial — o bem comum.
A solução, que os detratores
apadrinharam ‘geringonça’ e que carinhosamente e com orgulho a tomámos como
nossa, nasceu da vontade dos eleitores. Eles exigiram-na ao longo da campanha
eleitoral aos líderes dos principais partidos de esquerda. António Costa,
Catarina Martins e Jerónimo de Sousa tiveram o mérito de saber ouvir os que
neles votaram. Mas também nasceu da correlação de forças que saiu daquelas
eleições. A ‘geringonça’ nunca teria existido com uma maioria absoluta ou se
dependesse de outras forças políticas.
Nestes quatro anos, assistimos a um
aumento extraordinário das reformas, ao aumento do abono de família, à
eliminação dos cortes no subsídio de desemprego, à instituição da gratuitidade
de manuais escolares para o 1º e 2º ciclos, à reposição de rendimentos e
direitos, ao aumento do salário mínimo nacional em 19%, ao aumento da progressividade
do IRS ao mesmo tempo que se aumentavam impostos sobre o lucro e o património
imobiliário de grande valor, à reversão das privatizações do Metropolitano de
Lisboa, Carris e STCP, à redução da propinas no ensino superior e a uma
drástica redução do preço dos passes sociais. PS, BE, PCP e PEV foram os
responsáveis por estas conquistas. E não nos esquecemos do que Pedro Passos
Coelho nos disse: que vivíamos acima das nossas possibilidades. O salário
mínimo era (e ainda é) uma boa ilustração do que consideravam ser “as nossas
possibilidades”.
Poucos serão os governos que podem
chegar ao fim de uma legislatura e apresentar esta lista tão vasta de medidas
positivas. Uma lista que teve efeitos muito concretos na vida das pessoas. E
que mudou o ponto em que hoje se faz o debate político. Já não debatemos se o
ensino superior faz parte dos deveres do Estado ou se deve ser pago por quem se
forma. Ou se os utentes do SNS têm o dever de o pagar quando dele precisam,
ignorando que é nos impostos que a redistribuição da riqueza se faz, não
transformando o Estado social num Estado assistencialista. Ou se os transportes
públicos devem ser financiados pelo Estado para substituírem o uso do carro
individual. Ou se manter salários miseráveis é uma forma eficaz de criar emprego.
Depois destes quatro anos, será mais difícil privatizar ou aumentar as
propinas, as taxas moderadoras e o preço dos transportes públicos. Será mais
difícil impor o discurso da austeridade.
Claro que este não foi o Governo que
muitos de nós desejávamos. Sobreviveu a velha promiscuidade entre interesses
privados e interesse público, adiaram-se investimentos urgentes e, contra a
precariedade laboral, a crise na habitação e muitos outros problemas do país,
ficaram reformas por fazer. Mas conseguimos travar o discurso da desesperança.
E bem sabemos que este governo teria sido outro, com outras prioridades e
outras escolhas, se não dependesse de compromissos à esquerda.
Nas próximas eleições, muitos desejariam
votar na atual solução governativa e não em qualquer partido especifico. Querem
reeditar esta solução com os partidos de esquerda que consigam representação
parlamentar. O Partido Socialista, mesmo próximo da maioria, não pode nem deve
desbaratar o capital político construído por si e pelos seus parceiros nesta
legislatura. Só podemos, como eleitores sem partido, fazer o que fizemos há
quatro anos: garantir que o PS fica dependente de quem se compromete com as
causas sociais, ambientais, políticas e económicas, não dando maiorias
absolutas nem entregando o futuro do próximo governo a aliados que não tenham
um compromisso firme com o Estado social e os direitos dos trabalhadores.
Sabemos o que foram as maiorias
absolutas em Portugal. Sabemos o que foram os últimos quatro anos. Por isso, a
nossa escolha é o nosso apelo: votar na ‘geringonça’. Com o nosso voto faremos
a nossa parte, criando as condições políticas para que ela seja inevitável.
Afonso Cruz (escritor), André Letria (ilustrador, editor),
André Freire (politólogo, professor universitário), Bárbara Bulhosa (editora),
Beatriz Batarda (atriz), Boaventura Sousa Santos (professor universitário,
escritor), Daniel Oliveira (jornalista), Daniel Sampaio (psiquiatra, professor
universitário), Noiserv (músico), Ernesto Costa (professor universitário), Filipe
Duarte (ator), Filomena Cautela (apresentadora), Gonçalo Waddington (ator,
realizador, encenador), Irene Lima (música), José Pedro Vasconcelos
(apresentador), Lídia Jorge (escritora), Marco D’Almeida (ator), Miguel
Gonçalves Mendes (realizador), Paulo Fidalgo (médico), Pedro Abrunhosa
(músico), Pilar Del Río (jornalista), Sérgio Godinho (músico), Mísia (cantora),
Tatiana Salem Levy (escritora), Tiago Rodrigues (ator, encenador), Valter Hugo
Mãe (escritor), Vasco Lourenço (militar)
Sem comentários:
Enviar um comentário