(…)
O que aconteceu a seguir às eleições provou o desapego às
regras democráticas por parte do candidato derrotado.
(…)
Bolsonaro falou. Sem admitir a derrota, sem saudar o
Presidente eleito, culpando o processo eleitoral pelo “sentimento de injustiça”.
(…)
Repetindo o mote integralista, que Salazar fez também seu:
“Deus, Pátria e Família”.
(…)
Por várias razões, não haverá, no sentido clássico, golpe de
estado no Brasil.
(…)
Biden foi dos primeiros a reconhecer Lula, logo no domingo,
aliás como dezenas de outros Chefes de Estado.
(…)
Os bolsonaristas com mandatos também não querem ouvir falar
de fraude.
(…)
Os protestos que bloqueiam estradas são assim, ao mesmo
tempo, um sinal de isolamento imediato do “bolsonarismo de rua” e uma
antecipação do que poderá vir a acontecer nos próximos anos.
(…)
A atitude de parcialidade e de alinhamento [da polícia
rodoviária federal] com a extrema-direita já ficara patente no dia das
eleições.
(…)
[A polícia rodoviária federal procurou] provocar a
desistência e suprimir milhares de votos do campo democrático.
(…)
A atitude "compreensiva” da polícia perante as
ilegalidades de bolsonaristas é um indicador de como esta pode ser um
desestabilizador da ordem democrática.
(…)
Por outro lado, os relatos sobre a suspensão, no dia das
eleições, de transportes gratuitos em determinados Estados, para dificultar o
voto dos mais pobres.
(…)
Certas fábulas da extrema-direita brasileira penetraram
profundamente no senso comum mediático [em Portugal].
(…)
Esta tese [de que Lula seria um “mal menor”] não se
baseia em nenhum facto objetivo sobre Lula, mas numa narrativa da
extrema-direita.
(…)
Só que o Supremo Tribunal Federal anulou o processo contra
Lula, numa decisão esmagadora.
(…)
Por cá, o rótulo colado a Lula pela extrema-direita, mesmo
que desmentido pela Justiça, continua a ser reproduzido descontraidamente,
muito para além do bolsonarista Ventura.
(…)
Só no quadro mental da extrema-direita é que Lula pode ser
apresentado como alguém da “esquerda radical”.
(…)
[As] políticas dos governos Lula nunca foram, do ponto de
vista económico, nada que qualquer centrista europeu não subscrevesse.
(…)
Não serve isto para desvalorizar os notáveis efeitos das
medidas de inclusão social, de promoção da educação, de combate à fome e à
pobreza dos mandatos de Lula (que retiraram mais de 20 milhões de pessoas da
pobreza).
(…)
Lula da Silva era a única opção democrática nesta segunda
volta das eleições brasileiras.
(…)
Essa vitória, sublinhe-se, deve-se à figura de Lula e à
circunstância de ser um democrata, mas também ao facto de não ser um liberal.
(…)
Haverá, a partir de janeiro, sabotagens à governação,
técnicas de desestabilização a partir das instituições onde a extrema-direita
mantém influência.
José Soeiro, “Expresso” online
Proclamar um apoio a Bolsonaro ficava mal para aquela gente
que se acabrunharia com a pergunta sobre se o convidava para jantar.
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O homem é um barril de pólvora, grita inconveniências, tem
aquela coisa mal explicada de comprar apartamentos com malas de dinheiro.
(…)
Reclama a propriedade do divino mas diz que gostaria de
trincar cadáver de índio, é um tormento.
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Apoiá-lo, assim a modos que apoio mesmo, ficaria mal às
pessoas tão elegantes.
(…)
Agora, apoiar ou sequer aceitar que a alternativa presente
era um metalúrgico, moderado que seja, que quer acabar com a fome no seu país,
isso nem pensar.
(…)
Os imparciais raramente usam o argumento de que “aquilo é
outro país”.
(…)
O que dizem é que têm uma objeção moral, coisa séria, é que o
metalúrgico seria “corrupto”. E os nossos imparciais, isso de “corrupção” nem
querem ver.
(…)
E mal ficaria aquela alegação se nos lembrássemos dos
submarinos ou de ministro com processos julgados.
(…)
E o Supremo Tribunal Federal anulou o julgamento de Lula (foi
esmagador, por oito votos a três).
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O processo [organizado pelo juiz Sérgio Moro] foi uma
trafulhice.
(…)
A Justiça brasileira anulou o processo, o que significa que
Lula é inocente.
(…)
Ora, o juiz tinha conseguido uma façanha, dominar a política
brasileira e anular o adversário de Bolsonaro, foi por isso imediatamente
recompensado com um ministério.
(…)
Depois da mentira de Moro, os nossos imparciais mentem sobre
a mentira, para evitarem o incómodo de uma escolha.
Francisco Louçã, “Expresso” online
Contra a maioria das previsões, Bolsonaro acreditava na
vitória.
(…)
Bolsonaro
não teve coragem para reconhecer a derrota, não reconheceu a
vitória de Lula da Silva e nem sequer expressou agradecimento aos milhões de
eleitores que votaram nele.
(…)
Tudo
neste homem denigre a democracia e o sistema democrático, mas há milhões de
pessoas, dentro e fora do Brasil, a apoiá-lo.
(…)
A nossa situação, enquanto humanidade, é preocupante e não há
como fugir a esta constatação.
(…)
É certo que a partir de janeiro — finda a sua imunidade —
estará a braços com a justiça brasileira.
(…)
[Por cá há quem esqueça ou queira fazer esquecer] que
Lula foi condenado por um juiz chamado
Sergio Moro e que o Supremo Tribunal Federal veio a considerar que
Lula não foi tratado com imparcialidade por este juiz e ainda que anulou a
decisão.
(…)
Esquecem
também que Moro foi ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e que aceitou esse
cargo logo após ter condenado Lula da Silva.
(…)
Lula, apesar de ter melhor imprensa que Bolsonaro, poucas
vezes é tratado com a consideração política que merece.
(…)
Essa diferença mínima [em que ficou baseada a vitória de
Lula] é a exata medida da descontração e confiança com que podemos encarar o
futuro.
Carmo
Afonso, “Público” (sem
link)
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