(…)
A proposta de Trump é chocantemente límpida: a
Rússia fica com os territórios que quer e os Estados Unidos ficam com os
recursos que ambicionam.
(…)
Na mesa do negócio, imola-se a Ucrânia,
transformada em nada pelos dois imperialismos.
(…)
Agora é, por tudo isto, o tempo de a Europa
clarificar que paz tem para contrapor à cultura de guerra partilhada pelos dois
senhores imperiais.
(…)
A “longa paz” vivida na Europa depois da II
Guerra Mundial (…) [foi] a paz do quotidiano, da segurança das pessoas,
assente em direitos sociais alargados e serviços públicos universais.
(…)
E essa derrota [da construção de uma Comunidade
Europeia de Defesa] deu espaço – financeiro, desde logo, - ao
fortalecimento do Estado Social.
(…)
Não espanta que governos europeus, com presença
crescente da extrema-direita, repliquem na Europa a receita militarista de
Trump e de Putin, alimentando a ilusão de lhes disputar a vitória nas bombas.
(…)
Pouco surpreende que Bruxelas exiba a escolha
entre defesa e direitos sociais, abrindo às armas uma exceção à regra da
austeridade.
(…)
Já a esquerda, essa, só será alternativa se não
desistir de contrapor a prioridade da paz do contrato social à prioridade da
guerra travestida de defesa.
José Manuel Pureza, “Expresso” online
A AfD teve 20,8% e ficou em segundo lugar, exatamente como se temia. E, no entanto, vejo alguns democratas fazerem
uma festa.
(…)
Aquilo a que assistimos [nas eleições alemãs] é à queda de todos os que estiveram no último governo, como tem acontecido um pouco por toda a Europa.
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A
razão para estes resultados parece ser a mais clássica possível: os preços, o
custo de vida, a economia.
(…)
Foram
as mulheres mais jovens das cidades que impediram que a vitória da direita
fosse mais retumbante. Votaram 9% na AfD, 9% na CDU, 12% no SPD, 22% nos Verdes e 34%
no Die Linke.
(…)
A Esquerda teve um resultado surpreendente
(quase duplica a votação) porque conseguiu liderar e mobilizar o voto
antifascista depois da cedência da CDU na imigração, e porque fez uma
campanha centrada na crise da habitação.
(…)
Estrutural
é a crise do centro-esquerda e da social-democracia.
(…)
É a incapacidade da social-democracia e do socialismo democrático
representarem os trabalhadores.
(…)
Deixou de se perceber a sua utilidade, para
além da alternância (e, na Alemanha, recorrente convergência) com a direita
liberal e conservadora.
(…)
É bom recordar que, em 2013, o SPD, que ficou
em segundo, perdeu a oportunidade de fazer uma “geringonça” com os Verdes e a
Esquerda, preferindo aliar-se a Merkel.
(…)
No domingo, o SPD teve menos do que em 1933 (18,25%), quando os nazis chegaram ao poder.
(…)
E a AfD teve três vezes mais apoio entre os trabalhadores do que o SPD.
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Com o que aconteceu nos EUA, boa parte da
direita democrática começa a perceber que, ao seu lado, está a quinta coluna.
(…)
[Na
Europa] quem paga o investimento em defesa?
(…)
A proposta que estará em cima da mesa será a de desmantelar o Estado Social, que a direita liberal e conservadora quer acabar
de privatizar.
(…)
Não é difícil imaginar o que acontecerá se esta
opção vencer: os
aliados de Trump e de Putin vencerão por dentro enquanto nos tentamos defender
por fora.
(…)
A escolha entre a Defesa e o Estado Social é a
de quem quer poupar os do costume de contribuírem para pagar a fatura.
(…)
Friedrich Merz representa uma guinada da CDU à
direita.
(…)
Se a opção do SPD for, como tudo indica que será, voltar a ser
o sidecar desta
CDU, para defender a Alemanha da extrema-direita, é possível que
só esteja a preparar a Alemanha para a vitória da AfD
(…)
Talvez a festa que alguns fazem com a tragédia
de domingo seja porque sentem que, para travar a extrema-direita, o centro-esquerda se suicida, dando votos
à extrema-direita.
Daniel Oliveira, “Expresso” online
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