(…)
O próprio imã
da Mesquita Central de Lisboa acusou os políticos responsáveis
pela aprovação desta lei de “taparem os olhos aos portugueses”, já que estão a
desviar a resolução de problemas reais do país.
(…)
Não quer
dizer que eu seja a favor ou contra o uso de burcas, porque, afinal, não sei
nada sobre o que é ser-se muçulmana.
(…)
Seremos
mesmo livres na nossa escolha quanto à religião, ou haverá sempre algum tipo de
coerção envolvida?
(…)
Proibir alguém de professar a sua fé de forma
não violenta é tão errado como obrigar alguém a professá-la de uma forma específica.
(…)
Se a
mulher livre de expressar a sua opinião, escolhe, e repito, escolhe, usar hijab
(lenço que cobre as orelhas, o cabelo e o pescoço), quem sou eu para dizer se
oprime as mulheres ou não?
(…)
Considerando que pode haver realmente
mulheres obrigadas a usar sempre burca, esta lei agora aprovada ainda as vai
isolar mais, pois poderão não ter liberdade para sair de casa.
(…)
Pedia que
me enviassem os dados de crimes em Portugal cometidos por pessoas a usar burca.
(…)
Ora,
tendo em conta a Islamofobia típica das forças de direita, não será mesmo isso
que eles querem? [levar a que muitos muçulmanos se vejam obrigados a
deixar Portugal]
(…)
Esta lei aprovada pode, inclusive, marcar o
início explícito de uma luta xenófoba sobre quem não tem a herança cultural católica.
(…)
A forma
de professar a Fé da Igreja Católica e do Islão são diferentes, embora se
toquem em muitas questões.
(…)
A grande, enorme, diferença, é que atualmente
não há um movimento político que tenha pegado na doutrina católica e a tenha
deturpado ao extremo de forma a controlar as mulheres.
(…)
A meu
ver, todas as religiões têm no seu centro uma questão de controlo moral da
população, a qual me faz imensa confusão.
(…)
O
problema deste país em relação aos direitos das mulheres, é mesmo a burca? Não
me parece.
(…)
O facto
de [a força política vigente] se preocupar tanto com uma fatia tão, mas tão,
residual de mulheres que usam burca em Portugal, parece-me de uma moral
questionável.
(…)
Onde estão os reforços dos programas estatais
que se dedicam a criar mecanismos para diminuir a violência doméstica e os
femicídios?
(…)
Onde estão as propostas cativantes para os
profissionais de saúde se dedicarem ao SNS?
(…)
Onde estão os
esforços por garantir urgências obstétricas abertas em todo o país?
(…)
A conversa não
deveria ser sobre burcas (de tão raro uso em Portugal), mas sobre os dados oficiais da
violência contra mulheres em Portugal.
A taxa [de pobreza em
Portugal] mantém-se teimosamente entre os 16 e os 17 por cento, sem sinais
consistentes de descida.
(…)
O risco de pobreza até
aumentou em alguns segmentos da população.
(…)
Em
termos simples, os pobres de hoje estão mais longe de deixar de o ser do que
estavam há uma década.
(…)
E se retirássemos os apoios públicos, a taxa de pobreza
dispararia para valores próximos dos 40%.
(…)
Não
é aceitável que, no século XXI, uma sociedade moderna e europeia continue a
conviver com tamanha desigualdade.
(…)
[Em Portugal, os pobres] são, cada vez mais, famílias que
trabalham todos os dias, que cumprem horários, pagam impostos e ainda assim não
conseguem escapar à pobreza.
(…)
São também idosos, muitos deles com carreiras contributivas
completas.
(…)
E são, ainda, famílias monoparentais, em particular mulheres
sozinhas com filhos, que enfrentam o peso desigual das responsabilidades
familiares e financeiras.
(…)
O problema pode ser ainda mais profundo do que as
estatísticas revelam: o limiar da pobreza raramente reflete o esforço
financeiro necessário para manter uma casa.
(…)
O
impacto real da pobreza é certamente maior do que aquilo que os números deixam
ver.
(…)
Temos, por isso, uma
pobreza que mudou de rosto, mas não perdeu força.
(…)
Uma pobreza que se
disfarça sob o véu da normalidade quotidiana, mas que corrói silenciosamente a
coesão social.
(…)
Um país que não produz
riqueza, que não valoriza o trabalho e que não investe em produtividade,
inovação e qualificação, está condenado a distribuir pobreza.
(…)
A pobreza não é uma
fatalidade, é uma escolha coletiva ou, pior ainda, uma indiferença coletiva.
(…)
[A luta contra a
pobreza] ganha-se com uma economia justa, com educação de qualidade, com
salários que reflitam o valor real do trabalho e com um Estado que saiba
investir no futuro, em vez de apenas remediar o presente.
(…)
A pobreza não é apenas
um problema económico, é um espelho moral.
Arnaldo Coelho, “diário as beiras”
O projeto do Chega [de proibição das
burkas] é uma catástrofe, mas o PSD não quis saber, ambos os partidos unidos
pela voragem do discurso anti-imigrantes, que acham eleitoralmente lucrativo.
(…)
É uma catástrofe sob o ponto de vista
das opções de política sancionatória e está pejado de erros de palmatória que
comprometem, em alguns casos, o respeito pela Constituição.
(…)
Esta será uma lei que, falsamente
apresentada como de proteção das mulheres, pune as mulheres que ocultem o rosto
no espaço público.
(…)
É a elas que o Estado deve punir? Ou na
mira deveriam estar, antes, os homens que obrigam as mulheres a vestir ou a
despir o que não querem?
(…)
Qualquer homem que obrigue uma mulher a
vestir ou a despir o que não quer deve ser punido. A lei já o prevê. As
mulheres vítimas destes homens não devem ser também vítimas do Estado. Com esta
lei, passarão a sê-lo.
(…)
Para ocultarem os problemas reais que
temos, enquanto atacam o Estado Social e os direitos dos trabalhadores, acham
que podem tapar os olhos dos portugueses.
Cláudia Santos, “Público” (sem link)
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