quinta-feira, 11 de maio de 2017

AGÊNCIAS DA ONU MINIMIZAM CRIMES DE EXPLORAÇÃO SEXUAL?


O artigo de opinião seguinte, que transcrevemos do Público de hoje, é assinado pela Secretária-Geral (*) da “Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres”, uma “organização com Estatuto Consultivo Especial junto do Conselho Económico e Social das Nações Unidas” que, segundo julgamos, ainda é pouco conhecida entre nós.
Não estaremos a exagerar se afirmarmos que este texto contém uma denúncia da banalização, senão mesmo branqueamento, com que agências da ONU tratam da prostituição e exploração sexual das mulheres. São temas de tal forma sensíveis para toda a humanidade que se torna importantíssima a sua divulgação perante a opinião pública.
Crimes como a exploração sexual, pela sua gravidade, têm de ser tratados com medidas muito fortes cuja implementação deve ter na linha da frente a ONU.
As Organizações Não Governamentais (ONG) que prestam assistência direta às vítimas de prostituição e exploração sexual, que promovem e protegem os direitos das mulheres e meninas em todo o mundo, e que lutam contra a discriminação contra as mulheres e raparigas indígenas, migrantes, pobres, e de pertenças étnicas minoritárias, denunciam as violações regulares, por parte de agências da ONU, da linguagem e políticas acordadas pela ONU quando se trata da exploração sexual e da exploração da prostituição de outrem.
Em vários relatórios a ONUSIDA e o PNUD usaram sistematicamente, e recomendaram a utilização da expressão, “trabalho sexual”. Também defenderam a despenalização da compra de um ato sexual. Estas duas agências defenderam ainda apoiar recomendações para descriminalizar o proxenetismo, aquisição e gestão de um bordel. As “diretrizes terminológicas” da ONUSIDA 2015  recomendam explicitamente deixar de utilizar o termo “prostituição”, que denotaria “julgamento de valor”, e usar, em vez disso, “trabalho sexual”. Recomendam, também, o uso do termo "clientes de profissionais do sexo" para pessoas que compram um ato sexual.
Em várias ocasiões, em 2015, a ONU Mulheres introduziu também uma nova terminologia de "exploração sexual forçada", assim dando a entender que poderia existir uma exploração sexual livre. Foi somente após a mobilização das ONG que a ONU Mulheres retirou esta terminologia da sua infografia sobre a violência contra as mulheres.
Ao mesmo tempo que o número de vítimas de exploração sexual continua a aumentar em todos os continentes, afetando particularmente os grupos mais vulneráveis de mulheres e raparigas, é lamentável a tendência de algumas agências da ONU para promoverem linguagem e políticas contrárias às obrigações internacionais de eliminar a exploração sexual e a exploração da prostituição das mulheres sob todas as formas. Além do mais, ao mesmo tempo que relatórios recentes mostram que a exploração e os abusos sexuais, incluindo os perpetrados pelas Forças da Paz e outro pessoal da ONU, continuam a ser uma grande preocupação, há que condenar qualquer tendência das Nações Unidas para minimizar a gravidade e os malefícios da exploração e abusos sexuais, incluindo a compra de atos sexuais.
Há ainda que lembrar que as agências e programas das Nações Unidas não estão autorizados a promover o uso do termo "trabalho sexual" em vez do termo "prostituição", ou o uso do termo "exploração sexual forçada" em vez do termo "exploração sexual"; nem tão pouco recomendar a descriminalização do proxenetismo, aquisição, gestão de um bordel e pagamento por sexo.
Efetivamente, a única linguagem acordada pela Assembleia-Geral da ONU neste campo é "prostituição", "exploração sexual" e "exploração da prostituição de outrem" (Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem, e artigo 6º da CEDAW). O uso sistemático de um termo alternativo e a recomendação explícita de parar de usar a linguagem acordada do principal órgão deliberativo, político e representativo da ONU não é compatível com o mandato constituinte das agências e programas das Nações Unidas.
A obrigação direta e vinculativa de todo o Sistema das Nações Unidas, nos termos da Carta das Nações Unidas, de respeitar e promover a "dignidade e valor da pessoa humana" é incompatível com a banalização e promoção da prostituição, formalmente qualificada pela Assembleia Geral das Nações Unidas como "incompatível com a dignidade e o valor da pessoa humana".
No boletim do Secretário-Geral da ONU que apresenta "Medidas especiais para proteção contra a exploração sexual e abuso sexual", a definição de "abuso sexual" inclui claramente a compra de um ato sexual. O documento declara explicitamente que "é proibida a troca de dinheiro, emprego, bens ou serviços por sexo, incluindo favores sexuais ou outras formas de comportamento humilhante, degradante ou exploratório". Assim, é inaceitável que as agências e programas das Nações Unidas recomendem a descriminalização da compra de um ato sexual e utilizem a expressão "clientes de profissionais do sexo", quando a política oficial da ONU para prevenir a exploração e o abuso sexual define a mesma ação como "abuso", proibindo-o para todo o pessoal da ONU.
A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, enquanto organização com Estatuto Consultivo Especial junto do Conselho Económico e Social das Nações Unidas, está determinada a lutar contra qualquer forma de justificação, banalização e promoção da exploração sexual e exploração da prostituição das outras pessoas. Conjuntamente com organizações do mundo inteiro, manifestamos esta preocupação em termos nacionais e internacionais. 
(*) Ana Sofia Fernandes

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