quarta-feira, 3 de maio de 2017

TURQUIA: O CERCO À IMPRENSA LIVRE



Os ecos que constantemente nos chegam sobre o cerceamento da liberdade que actualmente tem lugar na Turquia, não nos podem deixar indiferentes.
A aproximação de regimes repressivos/ditaduras começa por se fazer sentir com a perseguição à imprensa livre e aos jornalistas. Numa altura em que, até em regimes democráticos, se sente uma pressão cada vez maior sobre a liberdade de expressão de pensamento, o que actualmente acontece na Turquia deve ser denunciado por todos os meios para que Erdogan pare com a perseguição aos jornalistas livres e para evitar que outros aprendizes de ditador lhe sigam as pisadas.
Hoje, dia mundial da liberdade de imprensa, como muito bem afirma a Amnistia Internacional, “os nossos pensamentos estão com os jornalistas presos na Turquia”. Mas, dizemos nós, também devemos estar muito atentos ao que se passa no resto do mundo porque nuvens muito negras estão a acumular-se no horizonte, no que diz respeito a todas as formas de expressão da liberdade.
Ainda com a situação na Turquia como pano de fundo e a “tragédia” que lá está a desenrolar-se, aqui fica um artigo de opinião de dois jornalistas (*) que relatam no Público de hoje a sua própria experiência da repressão que se vive naquele país.
Na prisão, um dos maiores desafios é psicológico. Mesmo que as condições sejam bastante terríveis, se houver nutrição básica, água potável e abrigo, consegue-se sobreviver fisicamente. São os sentimentos de desespero e de isolamento que se podem tornar mentalmente incapacitantes, até fatais.
Por isso, quando soubemos, muitos meses após a nossa detenção, que tinha sido lançada uma campanha global para nos libertar, tal fez toda a diferença.
Fomos detidos em 2013 no Egipto enquanto trabalhávamos como jornalistas da Al-Jazira e acusados de uma série de crimes politicamente motivados por causa do desempenho da nossa profissão. Naquelas celas frias e sujas, sem ideia nenhuma do que o futuro nos reservava, não havia muito que nos motivasse a permanecermos positivos – por isso foi tão importante quando nos chegaram as primeiras informações de que a campanha #FreeAJStaff estava a ter uma adesão mundial.
Além de nos recordar de que não estávamos esquecidos, fez-nos compreender que fazemos parte de uma causa muito maior do que nós. E ajudou a dar sentido àqueles longos dias e a animar-nos quando nos sentíamos a bater no fundo. E, mais importante ainda, a campanha contribuiu, por fim, para acabar com o nosso encarceramento.
Pessoas no mundo inteiro uniram-se, num número extraordinário, e exigiram a nossa libertação, porque reconheceram a injustiça daquilo por que estávamos a passar. Viram que fomos mandados para a prisão com base em acusações forjadas, e ergueram-se para nos defender. E funcionou.
Agora, precisamos urgentemente de mobilizar essa energia de novo.
Está a desenrolar-se lentamente uma tragédia na Turquia. O jornalismo independente é sistematicamente esmagado. As portas das prisões estão a fechar-se sobre os jornalistas, os órgãos de comunicação social a serem emparedados e um silêncio perturbante cai sobre o que era uma paisagem de media vibrante e diversificada.
Desde a tentativa de golpe falhada de Julho de 2016, o Presidente, Recep Tayyip Erdogan, lançou uma vaga de repressão da liberdade de expressão tão intensa que o jornalismo independente vive os estertores da morte. Pelo menos 156 órgãos de comunicação social foram fechados e uns estimados 2500 jornalistas e outros profissionais dos media perderam o emprego. Yonca Sik, cujo marido, o jornalista de investigação Ahmet Sik, está detido desde Dezembro passado, alerta: “A detenção de Ahmet é uma mensagem para os outros: falem se ousarem”.
É doloroso assistir a todas estas medidas contra o jornalismo independente. Mas o que mais nos impressionou pessoalmente são as histórias de mais de 120 profissionais da comunicação social mandados para as prisões na esteira da tentativa de golpe e que permanecem em detenção preventiva.
No estado de choque que se seguiu à nossa detenção no Egipto, pensámos que se tratava de um erro horrível que seria rapidamente corrigido. Nunca poderíamos imaginar que iriamos passar centenas de dias na prisão a aguardar julgamento, em condições terríveis.
As prisões egípcias onde ficámos a definhar estão sobrelotadas de pessoas que se tinham oposto ou ousado desafiar o Governo. Sabemos muito bem o que é que se está a passar neste momento nas prisões da Turquia, e como os jornalistas ali se estão a sentir.
Quando não estávamos enfiados em celas com tantos outros homens que era impossível sentarmo-nos, encontrávamo-nos em solitárias onde frequentemente temíamos enlouquecer. A solidão e o tédio são difíceis de descrever.
Ainda que a situação com que são confrontados os jornalistas presos na Turquia possa não ser igual àquela por que passámos, compreendemos o desespero e a frustração que sentem. E o que torna a situação na Turquia especialmente sinistra é o facto de o Governo turco continuar a negar que os jornalistas estão a ser presos devido ao trabalho que desempenham. As histórias e as identidades destas pessoas estão a ser apagadas. É por isso que é tão crucial que nós, que estamos em liberdade, as defendamos.
A #FreeAJStaff começou como uma pequena campanha no Twitter, mas em algumas semanas ganhou a dimensão de um movimento global. Trouxe ao cimo o melhor das redes sociais: o sentido de urgência, a criação de um ímpeto, a defesa corajosa de uma causa que, de outra forma, teria sido esmagada. No final, mobilizara mais de três mil milhões de tomadas de posição.
Nos momentos mais tenebrosos do nosso encarceramento – quando nos sentimos aferrolhados a uma batalha sem esperança com a máquina da injustiça, quando já nos esquecêramos como é um pôr-do-sol –, houve ocasiões em que foi como se tivéssemos deixado de existir. Teria sido fácil desvanecermos. O que nos encorajou a continuar foi saber que pensavam em nós.
A compreensão plena do que aquela campanha significou para nós, no nosso momento de necessidade, é a razão para apoiarmos agora a #FreeTurkeyMedia. Queremos que todos os jornalistas que agonizam atrás das grades na Turquia saibam que estamos com eles. Queremos que saibam que os dias que ali estão a passar, apesar de deprimentes, apesar de aterradores, não são em vão.
Estão na linha da frente da liberdade de expressão – do direito a estar informado, e da importância que uma imprensa livre desempenha no funcionamento da sociedade, não só na Turquia, mas no mundo inteiro.
Às vezes é difícil dar valor a algo até que nos é tirado. Mas lembrem-se: uma sociedade onde não existe o direito de informar de forma livre é uma sociedade em risco. Sem jornalismo independente não haverá debate público livre, nem responsabilização dos poderosos, nem monitorização e investigação dos abusos de direitos humanos.
Prender jornalistas tem um efeito aterrador para todos, fazendo todos terem medo de falar. A campanha #FreeTurkeyMedia tem o objectivo de libertar jornalistas da prisão mas visa também criar um futuro melhor para os direitos humanos na Turquia e enviar uma mensagem clara a quem, pelo mundo inteiro, tenta silenciar a liberdade de expressão.
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Ao longo dos mais de 400 dias que passámos atrás das grades no Egipto, fortaleceu-nos sabermos que pessoas por todo o mundo estavam a fazer campanha pela nossa libertação. Se estava certo defender-nos e exigir #FreeAJStaff, também é certo fazermo-nos todos ouvir em defesa dos jornalistas que são presos apenas por fazerem o seu trabalho. É por isso que nos juntámos à campanha #FreeTurkeyMedia.
(*) Peter Gueste e Mohamed Fhamy

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