sexta-feira, 5 de maio de 2017

COMBATER A CORRUPÇÃO E O SISTEMA QUE A GERA


A corrupção é um dos maiores cancros que enferma a sociedade portuguesa. Toda a gente sabe disto e para o comprovar aí estão na comunicação social muitos casos de que são protagonistas personalidades que desempenharam altos cargos na administração pública. Sem defendermos o julgamento de quem quer que seja na praça pública, também não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditarmos que toda essa gente está tão inocente como quando saiu da barriga da mãe…
Nas últimas eleições presidenciais, houve mesmo um candidato que utilizou o combate à corrupção como tema central da sua campanha, tendo obtido uma votação modesta. De qualquer maneira, sem menosprezar a necessidade de um combate tenaz à corrupção, é preciso termos em conta que se fosse possível reduzi-a a zero, ainda assim, muito ficaria por fazer no que diz respeito à desigualdade da distribuição da riqueza que grassa em Portugal. É que, a questão de fundo, está no sistema que actualmente governa o mundo, o qual contém nos seus genes a promoção e manutenção das desigualdades sociais.
É sem esquecer os parâmetros acima referidos que deve ser feita a leitura do artigo de opinião seguinte (*) que transcrevemos do Público de hoje. A corrupção deve ser combatida por todos os meios legais mas, acima de tudo, o sistema que a gera.
Os discursos políticos das comemorações do 25 de Abril deste ano foram marcados por temas como a transparência, rapidez e eficácia das instituições públicas, bem como pela necessidade de o país crescer a um ritmo mais elevado e de reduzir as desigualdades no rendimento. A necessidade de o país crescer é premente não só para garantir às gerações vindouras um nível de vida melhor mas também para garantir uma maior sustentabilidade à dívida pública, num cenário em que o Estado não reduz a sua dimensão significativamente.
Entre 2005 e 2015, Portugal afastou-se da média da União Europeia (UE) para 77% do PIB per capita médio da UE a 28, tendo o país crescido, em média, a uma taxa anémica de 0,06% ao ano. Portugal é ainda um dos países mais desiguais da Europa, muito próximo de países como a Grécia ou outros do leste europeu e muito afastado dos países do norte da Europa, estes com índices de desigualdade de rendimento mais baixos. Os três objectivos, de aumento do crescimento, de redução das desigualdades e de combate à corrupção não são independentes!
A generalidade dos estudos que relacionam corrupção com crescimento económico têm indicado um efeito negativo significativo do primeiro no segundo fenómeno. Este efeito é ainda mais acentuado nos países relativamente mais pobres. Por outro lado, estudos que relacionaram corrupção com desigualdade no rendimento mostraram uma relação positiva entre estes dois fenómenos. Estas relações acentuam um ciclo de pobreza, fraco crescimento e desigualdade de rendimentos. Não é difícil estabelecer a explicação para estas inter-relações.
A corrupção é mais difícil de enfrentar pelos cidadãos mais pobres e afastados das elites, sendo que estas usam frequentemente a corrupção para manterem os seus privilégios e arrecadarem mais recursos. Sendo assim, um país mais corrupto e menos transparente tende a manter altos níveis de desigualdade e menor crescimento. Corrupção e falta de transparência corroem a confiança e o incentivo que os cidadãos e as empresas têm que ter para acumularem conhecimento e inovação, os principais motores do desenvolvimento no longo prazo. Por outro lado, países menos corruptos tendem a crescer mais e a distribuir melhor o rendimento gerado. Neles, indivíduos e empresas sabem que o esforço e o mérito compensam e há menos recursos desviados para o tráfico de influências, compadrio e corrupção.
Desde 2012 que o índice de percepção de corrupção em Portugal se tem mantido praticamente inalterado segundo a organização internacional Transparency International, com um valor a rondar os 60 pontos, ainda assim muito longe de países como a Dinamarca e a Nova Zelândia, com valores na ordem dos 90 pontos. O país tem, portanto, um longo caminho a percorrer no combate à corrupção e na promoção da transparência e isso pode ter uma influência positiva nos desígnios nacionais de aumentar o crescimento económico e diminuir a desigualdade.
O Observatório de Economia e Gestão da Fraude (Obegef) tem promovido em Portugal um trabalho notável na análise da economia paralela no país, e tem mostrado o seu aumento em proporção do PIB. Além disso, o Obegef tem desenvolvido estudos sobre a corrupção e fraude em diversas áreas das instituições portuguesas. Além de uma análise de indicadores macroeconómicos e do estudo da relação entre corrupção e indicadores essenciais de bem-estar das populações, a análise da corrupção deve ir mais além. De facto, devemos identificar as instituições onde a falta de transparência e a corrupção são mais relevantes de forma a identificar eixos prioritários de actuação.
A corrupção é um fenómeno marcadamente enraizado nas sociedades e persistente no tempo. Parte dessa persistência é explicada pelo facto de comportamentos de fraude durante a aprendizagem escolar e académica estarem correlacionados com índices de corrupção, um resultado evidenciado por um estudo de Aurora Teixeira, disponível no sítio do Obegef na Internet. O controlo dos casos de fraude académica (desde o famoso "copianço" ou uso de “cábulas” entre estudantes até ao plágio em trabalhos académicos) tem, portanto, efeitos que vão além das simples distorções de notas ou de investigação científica viciada ou plagiada. Terão também efeito na formação das elites futuras e, portanto, na persistência do fenómeno na sociedade do futuro!
Além do mais, é necessário ter em atenção a pequena corrupção que enferma as instituições públicas e que pode configurar, por exemplo, casos de tráfico de influência, favorecimentos e nepotismo. Estes casos corroem a confiança dos cidadãos nas instituições e os incentivos ao esforço e ao mérito e, tratando-se de pequena corrupção e muitas vezes encapotada em artifícios administrativos, dificilmente chega à fase da denúncia e aos tribunais. Estas situações não podem ser contrariadas com a criminalização do enriquecimento ilícito, um assunto recorrente no discurso político. De facto, dadas as suas características, a pequena corrupção só pode ser enfrentada com melhor exigência de transparência e prestação de contas e com um melhor processo legislativo que limite ao mínimo os artifícios administrativos que os gestores públicos podem usar para contornar as exigências de transparência. 
(*) Tiago Neves Sequeira, associado do Obejef

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