André Freire (politólogo), Isabel Pires (deputada
do BE), Fernando Rosas e Manuel Loff (historiadores) são os autores de um
manifesto (Contra a judicialização da
política) que veio à estampa no “Público” de hoje, onde denunciam “as
consequências da securização e da judicialização do caso catalão”, tal como já
tem sido feito por muitos no âmbito internacional e, em particular, à escala
ibérica. São cerca de duzentas as personalidades de vários setores da vida pública
portuguesa e de diversos carizes partidários que subscrevem o referido
manifesto, que reproduzimos a seguir. A fim de tornar o texto mais leve,
retirámos os diversos links nele inseridos.
Dois anos depois da repressão policial
que se abateu sobre milhões de cidadãos que pretendiam pacificamente votar num
referendo sobre a independência da Catalunha, e cujas imagens correram mundo, o
Supremo Tribunal espanhol acaba de
condenar a penas de prisão entre nove e treze anos nove líderes políticos e
associativos catalães, e a um ano e oito meses três
outros, todos eles presos preventivamente e sem fiança já desde o outono de
2017. Pretendendo julgar os acontecimentos de que todos fomos testemunhas há
dois anos, esta é uma sentença a todos os títulos alheia à natureza intrínseca
da democracia e obriga-nos a todos a manifestar a nossa preocupação com uma
deriva que vemos agravada.
Tendo o Estado espanhol optado por
acusar os independentistas do crime de “rebelião” por forma a que a prisão
preventiva sem fiança fosse automática, as sucessivas humilhações que os juízes
espanhóis sofreram na Bélgica, Alemanha e Grã-Bretanha — países que recusaram a
extradição de outros independentistas que neles se refugiaram — aconselharam o
Tribunal a deixar cair a acusação central de
“rebelião” por, apesar de toda a manipulação, não
conseguir deixar comprovado a prática da violência, condenando-os por um
eufemismo, o crime de “sedição”. Para vergonha do Estado de Direito espanhol,
esta sentença, contra a qual será interposto recurso no Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos, vem agravar mais ainda uma trajetória de violação aos
direitos, liberdades e garantias que não cessa de ser denunciada à escala
internacional e cria um gravíssimo precedente relativamente ao direito de
manifestação pacífica e aos direitos políticos em geral.
Bem pode o Governo espanhol classificar
como “exemplo de autonomia e transparência, de garantia e profissionalismo” o
julgamento levado a cabo no Supremo Tribunal, depois de a Federação
Internacional dos Direitos Humanos, que enviou 60 observadores ao julgamento,
ter entendido que nele se praticaram reiteradamente, entre outros, “atentados
fundamentais contra o direito da defesa”. Somos muitos, tanto à escala internacional
como dentro das fronteiras espanholas e lusas, a vir denunciar as consequências
da securitização e da judicialização do caso catalão; nas palavras da
presidente da Câmara de Barcelona, esta sentença contém “a pior versão da
judicialização da política: a crueldade”.
Entre aqueles que o Estado espanhol quer
manter presos por tanto tempo encontra-se uma antiga presidente do Parlamento,
vários antigos membros do governo e os presidentes das duas associações cívicas
mais populares da Catalunha. Todos se declaram “presos políticos” e o processo
a que foram submetidos foi descrito por diversas organizações e personalidades
à escala internacional (a Prémio Nobel da Paz Jody Williams, parlamentares de
vários países, a Comissão de Direitos Humanos da ONU) como tendo uma natureza
política. É revelador o facto de, a pedido do Governo espanhol, os tribunais
proibirem às autoridades eleitas e aos órgãos de comunicação social catalães
usarem expressões como “presos políticos” e “exilados” enquanto durar qualquer campanha
eleitoral. Não surpreende que a justiça espanhola seja considerada como uma das
mais politizadas da Europa e se a entenda como claramente parcial.
As sentenças agora conhecidas não devem
deixar ninguém indiferente. Falamos de presos políticos, cidadãos, ativistas e
líderes políticos que terão que cumprir penas de prisão pelo exercício de
direitos políticos fundamentais. Vários outros processos continuam abertos
contra muitos titulares de cargos públicos na Catalunha, um
dos mais simbólicos dos quais contra o antigo diretor da polícia catalã, Josep
Lluís Trapero, acusado, também ele, de “rebelião” e
de “associação criminosa”, com o Ministério Público a pedir para ele uma pena
de onze anos de prisão. O ataque contra os refugiados políticos vai ser
retomado; o juiz Pablo Llarena acaba de emitir uma nova ordem de captura contra
o ex-presidente da Generalitat da Catalunha, Carles Puigdemont, exilado com vários outros na Bélgica. Por fim, o
Governo espanhol voltou a encher a Catalunha de milhares de polícias, sendo
expectável uma resposta de força à semelhança do que se viu a 1 de
outubro de 2017.
Os subscritores deste manifesto reiteram que o problema catalão
é de natureza eminentemente política e que, por isso, carece de soluções
políticas e não judiciais, pelo que pugnam pela amnistia imediata dos líderes
políticos e associativos catalães presos e que sejam levantadas as acusações
contra todos os cidadãos catalães que participaram na organização do referendo
de outubro de 2017. E instam os responsáveis políticos espanhóis e catalães a
que encontrem uma solução política, de modo a que os cidadãos da Catalunha
possam, em condições de igualdade de oportunidades e de lisura processual,
votar livremente sobre o seu destino político. Instam também as autoridades
portuguesas e europeias a que se posicionem face aos problemas de compressão da
democracia e dos direitos políticos fundamentais a que estamos a assistir em
Espanha e na Catalunha.
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