(…)
Quem
acreditará no rigor de uma justiça que salta do 8 para 80?
(…)
Enquanto
a raiva se espalha pela rua, pelas redes sociais e pela comunicação social e os
oportunistas mediáticos e políticos do costume a usam para proveito próprio, os
cidadãos deveriam perguntar-se onde é que o processo que era suposto testar a
maturidade do nosso sistema de justiça falhou.
(…)
Quase
tudo o que Ivo Rosa decidiu na sexta-feira era expectável.
(…)
Só
mesmo a decisão de não levar Sócrates a julgamento por crime fiscal me deixou
perplexo.
(…)
Apesar
do princípio da não autoincriminação, a lei não protege um crime de sanção se
ele for para esconder outro crime.
(…)
Parece
evidente que ter um tribunal com o poder do TCIC com apenas dois juízes que são
a antítese um do outro é a receita para chegar à bomba atómica que vimos
explodir na sexta-feira.
(…)
São
dois olhares sobre o processo incompatíveis num tribunal com enorme
visibilidade e onde não há mais ninguém.
(…)
A
Carlos Alexandre basta ter um carimbo na mão para aprovar tudo o que o
Ministério Público lhe entregue.
(…)
Ivo
Rosa prefere o recato, mas o uso excessivo do que é suposto ser a fase de
instrução.
(…)
Se [Ivo
Rosa] acha que um crime de corrupção prescreveu não se percebe porque fica o
juiz a explicar que mesmo assim não havia prova para chegar a julgamento.
(…)
O
combate à corrupção não é apenas uma questão de vontade. É uma questão de
competência.
(…)
O que [Ivo
Rosa] tinha para dizer era que a acusação mais importante da história do
Ministério Público desde que temos democracia era um monumento ao amadorismo.
(…)
As
provas das transações financeiras que o Ministério Público apresentou até
parecem ser, em geral, bastante sólidas. E ela destruiu, como o próprio Ivo
Rosa disse e José Sócrates fingiu que não ouviu, a ideia de que alguém
acreditou que aquele dinheiro lhe estava a ser emprestado ou dado em troca de
nada. Este é o maior equívoco que a absurda indignação nas redes sociais e
círculos políticos viveu na sexta-feira: a ideia de que Sócrates teve uma
vitória. Que Ivo Rosa lhe pôs a mão por baixo.
(…)
[Ivo
Rosa] disse que a personalidade de Sócrates foi comprada e que ele mercadejou a
função de primeiro-ministro. Que os empréstimos não eram empréstimos nenhuns,
que a ideia que a sua mãe guardava dinheiro em casa era uma aldrabice. O juiz
disse que havia todos os indícios de Sócrates ser corrupto, vender a alma e o
cargo para que foi eleito e ser mentiroso.
(…)
veio
para fora do Tribunal vangloriar-se de todas as mentiras sobre si terem sido
destruídas.
(…)
Os falsos
inimigos [de Sócrates] fizeram-lhe a vontade na análise, para lhe dar as
vitórias que precisam para se continuarem a alimentar do bandido.
(…)
O
Ministério Público tinha, então, debaixo do nariz um crime mais fácil de provar
e um corruptor claramente identificado: Carlos Santos Silva.
(…)
Só que
o Ministério Público deixou, na interpretação de Ivo Rosa, prescrever o crime
de corrupção que não precisava das provas que não tem.
(…)
É
preciso haver corruptor, ato de corrupção, corrompido e uma decisão concreta
que essa corrupção tenha como objetivo. E alguma prova deste percurso.
(…)
A
sensação que tenho é que o Ministério Público sabia, por todas as provas que
recolheu sobre o enriquecimento ilícito de José Sócrates, que aquele dinheiro
só podia vir de corrupção.
(…)
E, a
partir daí, fez pesca de arrastão. Servindo à mesa do tribunal tudo o que veio
à rede. Estivesse fora ou dentro de prazo, fosse peixe ou garrafas de plástico.
(…)
Podemos
achar que Ivo Rosa foi longe demais, transformando esta sexta-feira num
pré-julgamento. Mas não foi ele que que fez as leis e recolheu as provas.
Escusam de atirar sobre o mensageiro.
(…)
Ivo
Rosa disse com todas as letras que os indícios estavam lá, coisa que um
Sócrates fingiu não perceber. E disse que o Ministério Público fez um
péssimo trabalho.
(…)
[Ivo
Rosa] desfez,
ponto por ponto, com datas, absurdos de causalidade, ausência de provas sequer
indiretas, toda a acusação sobre corrupção, que toda a gente informada sempre
soube ser frágil.
(…)
A
revolta dos cidadãos é útil para mudar o que menos mudou em 47 anos de
democracia.
(…)
Mas se
essa revolta for para exigir condenação sem prova minimamente sólida e crimes
sem prescrição, não é o Estado de Direito que reforçamos. É o Estado
arbitrário, onde os poderosos ainda se safam melhor.
Daniel Oliveira, “Expresso” Diário (sem link)
Já não
sei quem é Rui Rio e já não sei se ele próprio o sabe. O medo de perder
transformou-o num bígamo ideológico.
(…)
[O PSD]
é uma casa de alterne ideológico sem reserva de direito de admissão.
(…)
Rio
deu um único grande tiro, o de Carlos Moedas para Lisboa.
(…)
De
resto não há novos ases na mão que assim pega em coringas do futebol sem
experiência política ou da direita radical com experiência de TV.
(…)
Rio
tem desvalorizado a direita radical porque a não compreende, não sabe lidar com
a novidade.
(…)
O PSD
não está a acolher, está a encolher-se. Não está a frutificar, mas a
desertificar.
(…)
Mais
parece desespero que estratégia.
(…)
António
Costa não reforma quase nada, não muda quase nada, gere uma permanência de
poder numa permanência de país — país desigual, mal pago, mal crescido.
(…)
Rio
prega palavras sociais-democratas mas não prega a palavra da social-democracia.
Pedro Santos Guerreiro, “Expresso” (sem link)
Em
sociedades democráticas, há juízos morais que devem ser feitos para além do que
a justiça apura. A Operação Marquês não é exceção.
(…)
Há
factos incontestados que obrigam a um repúdio profundo sobre o comportamento
ético de quem teve a responsabilidade acrescida de ser primeiro-ministro.
(…)
Essas
opiniões não implicam nenhuma condenação judicial, mas delas decorre uma
sentença política, não passível de recurso.
(…)
Ao
contrário dos juízos subjetivos, as acusações têm de ter como único alicerce
provas robustas.
(…)
Afinal,
é à justiça que recorremos quando tudo o resto falha: a censura moral, a
regulação política e o controlo social.
(…)
Chegámos
aqui por força da combinação perversa entre lentidão processual, libertação
cirúrgica de conteúdos da investigação e a opção pouco razoável por um
megaprocesso.
Pedro Adão e Silva, “Expresso” (sem link)
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