(…)
O Governo
mantém-se agora atrapalhadamente silencioso sobre a declaração do seu
encarregado de negócios em Doha, Manuel Gomes Samuel, que explicou de forma
desempoeirada como a melanina é vantajosa para os trabalhos duros de construção
dos equipamentos para o Mundial de Futebol no Catar.
(…)
Parece
que o diplomata não requer conhecimento sobre o assunto, basta-lhe a convicção
e a naturalização da conclusão.
(…)
Do
salário mínimo pelos 250 euros, dos seis dias de trabalho por semana, dos dois
anos de trabalho obrigatório, dos mortos em acidentes, disso nada constou.
(…)
Na
versão mais sofisticada [da resposta à afirmação do diplomata], não existe
racismo estrutural, de modo que os dizeres do homem seriam um mero episódio a
esquecer.
(…)
E por
aí ficaríamos se a questão não se levantasse vezes sem conta, suscitando linhas
de defesa preocupadas.
(…)
O
Presidente, também não faz muito tempo, assegurou que as queixas tratam de
casos isolados.
(…)
A
cumplicidade com os desmandos da FIFA e do Governo do Catar é pesada, tudo pelo
espetáculo.
(…)
E, já
agora, em Odemira os imigrantes não vivem em condições diferentes dos do Catar
nem o escândalo da revelação as alterou.
(…)
O
truque dos normalizadores é sugerir que o reconhecimento destas condições
estruturais remeteria para uma culpa individualizada.
(…)
No que
há culpa individual é na declaração racista do diplomata, mas essa parece que é
para esquecer.
Francisco Louçã, “Expresso” Economia (sem link)
[O
Governo decidiu] por despacho primo-ministerial, nem mais nem menos ele
próprio, que o secretário de Estado da Energia passava a carimbar cada uma das
faturas apresentadas a cada um dos serviços públicos pela Endesa.
(…)
O
édito é de 1 de agosto e logo dois dias depois o gabinete do primeiro-ministro
explicou que a decisão estava decidida na base da certeza de que não mudava
nada.
(…)
Creio
que ninguém perguntou para que servia então o documento se tudo ficava na mesma.
(…)
O dito
secretário de Estado teve o desplante de passar oito dias depois a missão para
a entidade respetiva, sinal de franco desleixo em relação à determinação
superior.
(…)
O
homem da Endesa tinha avisado o secretário de Estado de que ia referir o
assunto, quem sabe até se deitar o número redondo, o aumento dos 40% no preço
da eletricidade.
(…)
Por
mor das dúvidas, a empresa comunicou a todos os seus clientes que não mexia no
preço até ao fim do ano.
(…)
O
Governo faz o que tem a certeza de ser inútil.
(…)
A
empresa deixa-nos adivinhar que a 1 de janeiro começa outra vida, e um e outra
ficam depois à espera que nos esqueçamos do episódio.
Francisco Louçã, “Expresso” Economia (sem link)
Talvez
o celibato e a abstinência sexual dos padres não ajudem, em alguns casos, a
formar pessoas psicológica e moralmente saudáveis.
(…)
Porque
tiveram os denunciantes, fossem vítimas, familiares ou outros padres, de lidar
com a indiferença ou incompreensão das suas comunidades?
(…)
Porque
não se mobilizaram mais católicos para protegerem as crianças do abuso na sua
própria Igreja?
(…)
Em
poucas [instituições] se tornou tão evidente um encobrimento tão generalizado,
sistemático e ao mais alto nível.
(…)
Seguindo
o padrão global, vários bispos portugueses no ativo são suspeitos de terem
recebido denúncias claras, de as terem ignorado.
(…)
Os
abusadores são criminosos, talvez doentes. Mas os cúmplices do silenciamento,
no topo da hierarquia, é que têm de responder publicamente.
(…)
Não
tem de responder perante os católicos, mas perante todos nós.
(…)
Algumas
das histórias que nos chegam têm décadas.
(…)
Porque
a Igreja não tem o poder político, social e económico do passado, deixou de ser
opaca a mozeta que encobria os ombros e os pecados de bispos e cardeais.
(…)
Para
além de se entender com o julgamento dos tribunais e da opinião pública, a
Igreja tem pela frente um desafio interno que ultrapassa os abusos sexuais.
(…)
Para
recuperar a credibilidade, precisa de quebrar os laços de proteção clerical que
alimentaram o monstro.
(…)
Não
chega mudar as pessoas, é preciso mudar a Igreja.
(…)
[Este
terramoto] resulta de séculos de clericalismo que desabam num tempo em que este
poder bruto e implacável já não é tolerável.
(…)
Não
espanta que seja entre os católicos mais conservadores, (…), que surgem os
discursos mais desculpabilizadores da hierarquia.
(…)
A
moral sexual repressiva que defendem depende da cultura de ocultação,
recalcamento e infelicidade onde medra toda a miséria moral.
(…)
Preocupa-me
que, no lugar da milenar Igreja Católica, cresçam algumas igrejas-empresa
vendedoras de uma espiritualidade de autoajuda rápida e pragmática que tão bem
casa com os novos tempos.
(…)
Desejo,
por isso, que este processo não enfraqueça mortalmente a Igreja.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
E é muito comum formar-se o consenso em torno da ideia de que todo o
investimento estrangeiro é bem-vindo. Não!
(…)
Os investimentos são bons ou maus em
função do que deles resultar a favor de toda a população, das condições
estruturais que ficam para o desenvolvimento do país, da qualificação e fixação
de "recursos humanos" que cada investimento pode gerar.
(…)
Portugal está prisioneiro de um baixo
perfil de especialização da sua economia, num contexto marcado por uma inflação
galopante e por mudanças geopolíticas que acentuam pressões dos países
poderosos sobre os outros.
(…)
Investimentos especulativos, ou em
atividades de baixo potencial de melhoria de produtividade acabarão por tolher
a nossa capacidade de mudança de rumo.
(…)
É esta a realidade que estamos a viver.
(…)
Vejamos o que se passa com o turismo, a
hotelaria, a restauração e o imobiliário (com impactos nas políticas de
habitação) onde temos hoje negócio a rodos, mas contradições gritantes a
gerarem impactos negativos no nosso futuro coletivo.
(…)
Os preços da restauração são para
turistas, que não é a nossa condição do dia a dia.
(…)
Tudo indica que [com a introdução dos
vistos gold] estamos perante um lamaçal de negociatas promíscuas, não houve
criação de emprego, a fuga aos impostos presume-se elevada e este processo
contribui para a especulação imobiliária.
(…)
Há que analisar com muita atenção o tipo
de investimentos de que necessitamos e as condições em que eles nos podem ser
vantajosos.
(…)
A nossa localização geográfica não nos
permite produções agrícolas com elevados consumos de água, nitratos e pesticidas.
Contudo, é essa a via seguida no investimento na agricultura.
(…)
[Não faltarão investimentos indesejados
como aqueles que se colocam] apenas ao sabor dos grandes negócios propostos
pelos potentados económicos e financeiros já instalados?
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