(…)
Essa
forma de afirmação da política como um destino a que se deve obediência
percorre-nos por todo o século XX e pelos nossos anos.
(…)
O que
é novidade no Sul da Europa, em países de influência católica mas que viveram
profundos processos de secularização (…) é o regresso do enunciado
místico como núcleo da organização política, imitando os EUA e o Brasil.
(…)
O
discurso religioso instalou-se como forma de representação, em particular da
extrema-direita.
(…)
[Este
discurso] sendo uma crença, situa-se no terreno da irracionalidade e, portanto,
não é argumentável.
(…)
Como o
estratagema resulta, vai ser radicalizado, Trump continua a ser disso o farol
mundial.
(…)
O século
XXI vai ser o das identidades religiosas e de grandes cruzadas.
(…)
A
religiosidade política tem sido utilizada, no Ocidente, por duas tradições. A
primeira é a da Igreja Católica, cujas velhas relações com o despotismo do
Antigo Regime se prolongou depois na colaboração com as ditaduras europeias.
(…)
Mas é
a segunda tradição que mais se tem ampliado, a das igrejas evangélicas, em
particular a partir do centro irradiante dos Estados Unidos.
(…)
Nesses
anos [70 do século XX], as igrejas evangélicas consideravam que o movimento
antiaborto era um assunto dos católicos.
(…)
Sendo
impossível persistir nessa discriminação [recial], essas igrejas [evangélicas]
viraram a sua ação para os movimentos antiaborto, associando-se ao Partido
Republicano.
(…)
Quarenta
anos depois, dominam o partido e venceram no Supremo.
Francisco Louçã, “Expresso” Economia (sem link)
Quando
esta agenda chegou ao Brasil transformou a sua demografia religiosa.
(…)
A mais
poderosa, a Assembleia de Deus, tem 12 milhões de seguidores, e a IURD tem um
partido com 44 deputados, jornais e uma rede de televisão.
(…)
A
extrema-direita usa estas crenças e converte-se ao seu padrão de comunicação:
Bolsonaro, que joga a sua chance presidencial neste eleitorado, faz-se chamar
de “Mito” nos comícios.
(…)
Ventura
reclama-se de um mandato divino e integra alguns representantes de uma destas
organizações na sua equipa.
(…)
As
igrejas evangélicas não mudam a direita para recuperarem o passado devoto mas
para fazerem um negócio.
(…)
Estes
pastores são os empreendedores do século XXI e exploram o seu mercado em
benefício pessoal, em dinheiro e em influência.
(…)
A sua
norma é o poder pelo poder.
Francisco Louçã, “Expresso” Economia (sem link)
Através de voto secreto em urna, uma
larga maioria dos deputados insistiu na manutenção do cordão sanitário,
impedindo a eleição de um deputado da extrema-direita para a vice-presidência
da Mesa da Assembleia da República.
(…)
Impedir a extrema-direita de se
institucionalizar no lugar simbólico que sempre atacou e pretendeu derrubar é
uma exigência sanitária para a casa da democracia.
(…)
O carácter adaptativo à sem vergonha é um
traço do seu [da extrema-direita] temperamento ideológico, táctico e
pragmático, instrumentalizando qualquer uma das suas derrotas.
(…)
A normalização que perseguem em
Portugal, procurando fazer parte de uma solução de governo à Direita no futuro
próximo, tem cada vez mais adeptos no PSD de Montenegro.
(…)
Aqueles que no PSD resistem à ideia de um
partido refém já perceberam que dificilmente poderão impedir que ele se
transforme num apeadeiro da extrema-direita para chegar ao poder.
(…)
Um país fundador da União Europeia
afunda-se pela falta de respostas da classe política, enquanto a liderança de
um partido fundador da democracia portuguesa parece gostar de votar para ver no
que dá.
Como temos vindo a falar, Montenegro prepara-se,
e sobretudo prepara-nos, para uma aventura: chegar a um entendimento com o
partido neofascista e racista.
(…)
Enquanto
Luís Montenegro se vê constrangido a gerir a comunicação da sua cedência, André
Ventura enche o peito para a anunciar.
(…)
É mais do que certa a erosão do PSD.
(…)
Desde logo em razão da existência de uma direita
antifascista. Ela está no PSD.
(…)
É que a atual governação socialista não tem contrariado assim
tanto os sectores que votam tradicionalmente à direita.
(…)
Vamos
lá ser realistas: as acusações de socialismo, de que tanto falam os partidos à
direita, são verdadeiras notas de humor.
(…)
[Elas servem para] dispensar o PS de
prosseguir políticas de esquerda e criar em algum eleitorado mais distraído a
ideia de que o centro-direita e o centro-esquerda são totalmente diferentes.
(…)
Mas o
eleitorado é fino como o azeite e esta ladainha não pega. Não é o eleitorado do
Chega que está sujeito a esta erosão, é apenas o do PSD.
(…)
Ao admitir entendimentos com o Chega, o PSD perde eleitorado
para o PS.
(…)
Por outro lado, o Chega só tem a ganhar.
(…)
Ficará politicamente reconhecido que a direita precisa do
Chega.
(…)
Mas também pode acontecer que a direita ganhe as legislativas
graças ao entendimento. Da Europa sopram ventos assustadores.
(…)
O
líder do PSD confia que será possível manter o controlo sobre André Ventura,
mas, enquanto vigia os seus movimentos, estará a perder o próprio partido.
(…)
O Irmãos de Itália esvaziou o Força Itália e Bolsonaro
arrasou a direita golpista que lhe deu uma oportunidade.
(…)
As
forças fascistas costumam chegar ao poder por vias legais e até democráticas.
Foi assim na Alemanha e na Itália antes da Segunda Guerra.
(…)
Quando vemos o crescimento da extrema-direita e o
desdramatizamos, devemos lembrar-nos de que equivale a desdramatizar ver alguém
na heroína.
(…)
Ao lado de André Ventura, Montenegro ficará reduzido à
insignificância que na verdade merece.
Carmo Afonso, “Público” (sem link)
Hoje a
retórica que ceifa liberdade e direitos individuais [no Brasil] apresenta-se
pela imagem manipuladora de Bolsonaro e das elites que o rodeiam, bem como
pelos proveitos que essas elites adquirem.
(…)
A palavra corrompida é a mãe da
mentira e o berço da corrupção, política ou moral, e é um facto que ela tem
sido utilizada para atacar grupos marginalizados.
Bruno Santos Fonseca, “Público” (sem link)