(…)
António Costa pode jurar que não
abandonou esses objetivos [equilibrar a injusta repartição do rendimento
nacional, muito desfavorável ao trabalho], mas as políticas que vem
promovendo negam a sua viabilidade.
(…)
Com a pandemia e os primeiros sinais de
inflação, rapidamente exponenciados com a invasão da Ucrânia, o cenário que nos
era apresentado em 2019 foi-se dissolvendo no ar.
(…)
O palpite do governador [do BP no sentido
de que os aumentos salariais em contexto de inflação contribuem para uma forte
subida dos preços] foi prontamente assumido pelo Governo como verdade
científica.
(…)
Os objetivos anunciados pelo Governo para
a atualização salarial da Administração Pública - que contamina sempre toda a
negociação salarial - indiciam que está em curso, não a revalorização salarial
prometida, mas sim novo afundamento dos rendimentos (reais) dos trabalhadores.
(…)
Se essa atualização [do rendimento] não
ocorrer e o rendimento de que se dispunha antes do aumento dos preços for
acrescido de uma percentagem inferior à taxa de inflação, então o valor real do
rendimento degrada-se.
(…)
O efeito da inflação torna-se permanente,
repercute-se no futuro.
(…)
Isto é particularmente grave para os
pensionistas para quem é difícil compensar a degradação do valor real da pensão
com outras fontes de rendimento.
(…)
As transferências ocasionais desligadas
da consolidação dos direitos sociais fundamentais (ancoradouro da cidadania e
da democracia), são caminho perigoso.
Imaginemos
que a Serra da Estrela, além de ser uma zona protegida por um parque natural,
era em si mesma um sujeito legal com direitos.
(…)
A
Serra poderia, nestas circunstâncias, processar o Estado por não a ter
protegido dos devastadores incêndios que destruíram extensas áreas do seu
território.
(…)
Esta
questão [segundo a qual a Serra da Estrela não se poder representar legalmente]
prende-se com um debate sobre os direitos da natureza que se tem vindo a
estender a várias nações, algumas dos quais já consagraram os direitos do mundo
natural nos seus sistemas jurídicos.
(…)
Os
direitos da natureza vão mais longe e estabelecem que o mundo natural, como um
todo, ou determinadas entidades naturais, tais como a Serra da Estrela, são
sujeitos de direito, independentemente da sua relação com os seres humanos.
(…)
Trata-se
de descentralizar a humanidade como a fonte de onde derivam todos os direitos e
de reconhecer o valor intrínseco do mundo natural.
(…)
O
Equador foi o primeiro país do mundo a reconhecer, na sua Constituição de 2008,
que a natureza tem direitos inalienáveis.
(…)
Cabe a qualquer cidadã ou cidadão, bem com a entidades
públicas ou privadas, pugnar pelos direitos do mundo natural.
(…)
Seguindo
as passadas do Equador, a Bolívia promulgou em 2010 a “Lei dos Direitos da Mãe
Terra,” que adota o carácter de sujeito coletivo de interesse público.
(…)
Esta
lei cria ainda uma provedoria da Mãe Terra que tem como função velar pela vigência,
promoção, difusão e cumprimento dos direitos da natureza.
(…)
Já a Colômbia seguiu um caminho diferente, optando por
outorgar direitos a determinadas regiões e biomas relevantes para o país.
(…)
A
forte presença nesta região [amazónica e andina] de povos indígenas, que
reconhecem o mundo natural como parte integrante da sua vida social e até
familiar, foi decisiva para as mudanças no entendimento jurídico da natureza
nestes países.
(…)
Para a
vasta maioria das populações indígenas desta área, não há uma separação entre
os seres humanos e o meio ambiente.
(…)
A
noção de direitos da natureza resulta assim de uma combinação entre conceções
indígenas do mundo natural e a linguagem jurídica ocidental.
(…)
O
governo deste país [Nova Zelandia] atribuiu em 2017 personalidade jurídica ao
Rio Whanganui, ao declarar este curso de água um todo que se estende das
montanhas até ao mar.
(…)
A Nova Zelândia
já tinha dado um passo no sentido de reconhecer os direitos da natureza em 2014
ao extinguir o parque natural Te Urewera, (…), passando a ser uma entidade
legal independente.
(…)
Como
resposta à degradação ambiental galopante que testemunhamos um pouco por todo o
planeta, vários outros países ou regiões têm vindo a adotar a noção de direitos
da natureza.
(…)
Nos Estados Unidos, os direitos da natureza já fazem parte de
leis locais em vários estados.
(…)
Os direitos da natureza estão longe de ser uma panaceia para
todos os problemas ambientais.
(…)
A
principal contribuição dos direitos da natureza será talvez a nível conceptual,
levando as pessoas a reconhecer que lugares como a Serra da Estrela (…) são
entidades vivas, que têm o direito à sua existência, tal como cada um de nós,
seres humanos.
(…)
No
contexto da grave crise ambiental que o planeta atravessa, não estará na hora
de Portugal considerar a introdução dos direitos da natureza no seu sistema
legal?
Patrícia Vieira, “Público” (sem link)
A não
ser que venha deflação, este pico de inflação terá, se pensões e salários não o
acompanharem, um efeito permanente.
(…)
Nas
reformas, será uma queda nos custos previsíveis bem superior (quase o dobro) à
redução de €600 milhões que Passos Coelho propunha em 2015.
(…)
O
Estado social depende de um contrato de confiança. Quando esse contrato é
violado, foge quem pode e o resto fica com serviços públicos degradados.
(…)
Estamos
a ver isso no SNS.
(…)
Agita-se
o fantasma da insustentabilidade.
(…)
[O
debate] devia concentrar-se nas fontes de financiamento e não no corte das
prestações ou na entrega de parte do sistema aos mercados de capitais.
(…)
Um
corte imprevisto tem efeitos dramáticos [para os ensionistas].
(…)
A
confiança no Estado depende da confiança na política.
(…)
A
palavra dada [por Costa] não será honrada. Nem com os pensionistas nem com os
funcionários públicos.
(…)
Para a
previsão otimista de uma inflação de 7,4% a referência serão aumentos de 2%.
(…)
A
falta de confiança alimentada por carreiras e salários eternamente congelados,
fez médicos ou professores não quererem trabalhar para o Estado.
(…)
Não só
distribuímos pior do que o resto da Europa o que produzimos, como o
desequilíbrio tem-se agravado, com os salários a crescerem sempre abaixo da
produtividade.
(…)
É
nestes momentos de crise que a divisão entre trabalho e capital se desequilibra
de forma estrutural e dramática.
(…)
Como
Passos Coelho, firmeza [de Costa] com os fracos, cautela com os fortes.
(…)
Mas já
se percebeu que serão os de sempre a carregar o fardo da História no momento em
que os lucros de quem devia ser regulado disparam.
(…)
A
forma como o Governo quer lidar com esta crise é a receita para afundar a nossa
economia por mais umas décadas.
(…)
Ou a
esquerda mobiliza a rua contra isto, como fez em 2012, ou acordará com um
Governo de direita e o incontornável Ventura lá dentro.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
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