(…)
Tem planos rapidíssimos para tudo, porque tudo
tinha de ser apresentado antes das eleições.
(…)
[Há medidas a implementar] soterradas em
toneladas de palha [de uma radicalidade desaconselhável a um Governo com
29%].
(…)
O objetivo da apresentação, em catadupa, de
embrulhos grandiosos enchidos com esferovite é impedir um debate sério de
algumas medidas fraturantes e marcadamente ideológicas.
(…)
Na habitação, das 30 medidas anunciadas, só
meia dúzia tem aplicação nos próximos tempos.
(…)
Já a Contribuição Especial que tirou mais de
mil casas em AL é revogada e regressa o regime de licenças eternas e
transmissíveis.
(…)
A principal proposta da AD, a descida do IVA da
construção para 6%, ficou sem data marcada.
(…)
É assim com legislação feita à pressa e guiada
por dogmas ideológicos.
(…)
O pacote para a saúde é ainda mais vago e
ideológico. Em tanto slide, não houve uma proposta para reforçar a
capacidade do SNS.
(…)
Os cuidados primários têm estado protegidos da
rapina, por isso a grande novidade é a abertura das USF-C à gestão privada.
(…)
Não há plano de emergência para lá do apoio aos
grupos privados de saúde.
(…)
Na imigração, repete-se o padrão: o que é
necessário não é novo ou é para um dia destes, o que é novo e imediato é grave.
(…)
E não se compromete com prazos.
(…)
Relevante é o fim da manifestação de interesse.
Mata dois coelhos de uma cajadada: caça votos ao Chega e acaba com o risco de
se verem filas na televisão.
(…)
[Esta decisão] apenas acaba com a possibilidade
de novos imigrantes recorrerem a ela.
(…)
O fluxo migratório não se estanca por decreto.
(…)
Não virão seguramente pelos consulados, que nem
aos vistos normais conseguem dar resposta.
(…)
Os que, tendo trabalho, permanecerem sem
qualquer possibilidade de legalização ficarão nas mãos das redes e de patrões
sem escrúpulos.
(…)
Por fim, o IRS Jovem, a proposta mais radical
deste Governo, usando os jovens como balão de ensaio para a destruição do
sistema fiscal progressivo e redistributivo.
(…)
Se passar, a proposta para os jovens fará com
que se um jovem que recebe mil euros, rendimento de dois terços das pessoas da
sua geração, poupe 5% do seu rendimento, enquanto o que ganha 5000 euros poupa
20%.
(…)
Apesar de representar apenas 29% dos eleitores
e da confortável situação económica e orçamental que herdou (…) este
Governo quer ser marcadamente ideológico.
(…)
Mas debaixo de tanta palha há um rumo:
destruição do sistema progressivo de impostos, privatização do SNS, combate à
regulação imobiliária, cerco aos imigrantes.
Catarina Martins e João Oliveira tiveram uma
boa prestação enquanto cabeças de lista das forças políticas que representam.
(…)
Qualquer
um deles dará um grande eurodeputado e será aguerrido a defender as causas que
conhecemos, com grande destaque para a mais importante: a dos trabalhadores.
(…)
Qual é
então o problema? Porque não é previsível que estas forças políticas tenham
margem de crescimento nas eleições de domingo?
(…)
O problema não está nas causas e não está nos
candidatos.
(…)
Importa encontrar uma caraterização do que é a
classe trabalhadora.
(…)
Usando este critério tão simples [de que
se necessito de trabalhar, se não vivo de rendas, de lucros ou de benefícios
empresariais, sou da classe trabalhadora]
(…)
[Assim, a esmagadora maioria das pessoas, em
Portugal] pertencem à classe trabalhadora.
(…)
[Contudo] os trabalhadores portugueses estão
alheados de que são trabalhadores e que meteram na cabeça que pertencem à
classe média.
(…)
Tenham
presente que quase um milhão de portugueses ganham o salário mínimo nacional e
que 56% dos trabalhadores, em Portugal, receberam menos de mil euros. Esta
percentagem passa para 65% no caso dos jovens com menos de 30 anos.
(…)
[Os
jovens] recebem salários baixos e têm situações laborais precárias. Mas o
discurso político da luta contra a precariedade ou o da reivindicação de melhores
salários não os seduz.
(…)
Não se veem como fazendo parte da classe
trabalhadora e que acreditam que serão ricos.
(…)
Votam
em partidos [de direita ou extrema-direita] que pouco têm para lhes oferecer no
que diz respeito a melhorar as condições de trabalho e de vida.
(…)
Pertencer à classe trabalhadora saiu de moda.
(…)
Os
trabalhadores fazem de conta que pertencem à classe social a que aspiram
pertencer. Uma classe social abastada e que dispensa o combate intenso às
desigualdades sociais.
(…)
[Curiosamente, foram as lutas das
esquerdas] que lhes asseguraram aquilo que agora dão como adquirido, como
11 meses de trabalho para 14 meses de remuneração e tantos outros direitos.
Carmo Afonso, “Público”
(sem link)
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