(…)
Quando a representação e a ação coletivas são menorizadas ou
descredibilizadas, a democracia fica em risco. Ela não sobrevive sem
intermediações representativas e consolidadas.
(…)
No mundo do trabalho e em múltiplos outros campos, o que de
mais positivo conseguimos conquistar nos 50 anos de democracia assentou nesse
amplo quadro de ação e compromissos coletivos.
(…)
Os direitos individuais reforçam-se quando existe um sólido
respaldo coletivo.
(…)
No século XX, o capitalismo foi obrigado, na Europa e noutros
espaços geográficos - por efeito de novas relações de forças que diminuíram o
seu poder - a aceitar compromissos sociais.
(…)
O seu cardápio original é do século XIX, sem direitos dos
trabalhadores. É a ele que rapidamente quer voltar
(…)
Na sociedade atual, e no nosso país em particular, continua a
fazer todo o sentido a distinção entre Esquerda e Direita - sem cometer o erro
de encostar todos os setores da Direita aos inimigos da democracia
(…)
Existem contradições inultrapassáveis entre liberalismo e
democracia. Ciclicamente vêm à superfície com força, como agora com a imposição
de agendas neoliberais.
(…)
O combate às ameaças da extrema-direita e do fascismo
precisam muito, como no passado, da construção de dinâmicas sociais ofensivas
que tenham foco nos direitos do trabalho, na luta contra o racismo e todas as
formas de descriminação e de desigualdade.
Nas sociedades contemporâneas, somos confrontados com uma
série de desafios sócio-ecológicos que colocam em risco não apenas a Natureza,
mas também a nossa própria existência.
(…)
Não reconhecer essa realidade é cruel e perverso; é tratar os
seres humanos como dispensáveis.
(…)
Como tenho vindo a sublinhar, a perda de biodiversidade, a
degradação ambiental e as alterações climáticas são fenómenos que não podem
continuar a ser ignorados exigindo respostas urgentes e eficazes.
(…)
[Essas respostas devem ir] sobretudo ao cerne dos
nossos modos de vida e organização social.
(…)
O verdadeiro desafio reside em transformar a maneira como nos
relacionamos com o mundo natural e entre nós mesmos.
(…)
Atualmente, os modos de vida predominantes nas sociedades
modernas estão profundamente enraizados em paradigmas de consumo excessivo,
individualismo e exploração e exaustão dos recursos naturais.
(…)
Portanto, uma verdadeira transformação, uma transformação que
nos permita enfrentar os atuais problemas socio-ecológicos, só será alcançada
se reconhecermos a necessidade de repensar e reestruturar os fundamentos da
nossa sociedade humana.
(…)
De uma sociedade assente no consumismo devemos passar para
uma cultura de sustentabilidade, solidariedade e empatia.
(…)
[As mudanças requeridas devem ser] assentes na
qualidade em vez de na quantidade, promover estilos de vida mais conectados com
os ritmos e ciclos da natureza assentes no paradigma do cuidado em vez de no da
exploração – o que exige transformação de sistemas económicos e políticos – evidenciando
o bem-estar dos coletivos, promovendo a justiça social e a equidade.
Fátima Alves, “diário as beiras”
Falta hoje exatamente um mês para as próximas eleições
legislativas: no dia 10 de março, os portugueses serão chamados às urnas para
eleger os membros da Assembleia da República. O fim-de-semana passado
decorreram as eleições legislativas regionais dos Açores e ficámos a saber que
49,67% dos eleitores desta região autónoma não foram votar.
(…)
Se as eleições açorianas puderem ser encaradas como uma
antecâmara das que se realizarão daqui a um mês, no Continente, esta é a
“sondagem” que mais me preocupa. O que é que leva um cidadão a demitir-se da
sua voz?
(…)
A participação eleitoral tem vindo a diminuir nas eleições
para a Assembleia da República, Parlamento Europeu e presidenciais, tendo um
declínio menos acentuado nas eleições para o poder local.
(…)
Parecem ser os mais pobres e os mais jovens – para além dos
desiludidos – a desistir de votar. Quem mais se devia empenhar na construção do
país é quem mais desiste de o fazer.
(…)
Em Portugal, apesar de o tema da abstenção ocupar jornais e
televisões sempre que há eleições, os esforços para combater o afastamento dos
cidadãos das urnas têm sido insignificantes.
(…)
Não ir votar não é uma manifestação de descontentamento, só
de desresponsabilização, e é um comportamento inaceitável num Estado
democrático, que vive do envolvimento dos cidadãos.
(…)
A abstenção não serve como manifesto: o combate faz-se nas
urnas, de caneta em punho.
Martha Mendes, “diário as beiras”
Um dos venenos que alimenta a extrema-direita populista, bem
como os setores que com ela contemporizam, é o desprezo pelo argumento.
(…)
No essencial, o argumento servia para compor ou contrapor
opiniões, através de um exercício, de natureza lógica e racional, que procurava
formar, em conjunto com o desenvolvimento acelerado da escolarização, a opinião
de quem o lia ou escutava.
(…)
Os populismos contemporâneos estão a eliminar esse fator.
Atuam sobre os desejos e os instintos dos cidadãos, não hesitando em servir-se
de todos os meios para mentir e distorcer sem o menor pudor e sem qualquer
esforço de racionalização das propostas cegas, embora sonoras, que adiantam.
(…)
[O problema está] no elevado número de homens e mulheres que,
na sua insciência ou inabilidade crítica, rejeita tudo o que seja uma
explicação estruturada.
(…)
[Aqui reside a explicação para] aqueles que, agora entre nós,
cegamente acreditam e se revêm nas frases curtas e perentórias de uma
extrema-direita que pretende sobretudo apagar os legados de Abril.
(…)
Perante o público pouco exigente para o qual fala, esta não
precisa explicar, detalhar, comprovar, mas apenas proclamar em alta voz,
atuando sobre um bom número consciências ao apelar fundamentalmente aos seus
medos, desejos e ressentimentos.
(…)
Não faz sentido os setores que combatem o populismo fazerem o
seu trabalho recorrendo a um discurso que não possa ser apreendido de forma
instantânea, o que seria suicídio político.
(…)
A propaganda, para ser eficaz, precisa ser clara, objetiva e,
nos dias que vivemos, com tantas falhas do referencial teórico e histórico,
terá sempre de recorrer ao impacto imediato da imagem e à fluidez das redes
sociais.
(…)
Mas de modo algum pode dispensar programas substantivos e
momentos dedicados a uma argumentação que apele à razão, elevando o cidadão
acima da lógica do menor denominador comum.
Rui Bebiano, “diário as beiras”
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