(…)
Desde
o 7 de Outubro publiquei dezenas de textos sobre este genocídio e a
cumplicidade da Europa onde o presidente já foi visado.
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Nunca
bordei mas tenho bordados da Palestina talvez desde a primeira vez que fui lá,
faz este Abril 23 anos. O bordado são os vestidos, as almofadas, as casas da
Palestina. As mãos de pessoas que estarão onde agora?
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Quando o palestiniano Mahmoud Darwish escreveu
sobre os seus dias em Beirute debaixo das bombas israelitas, também pensou em
Hiroxima.
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Desde
que comecei este texto, quantos em Gaza? A todo o momento. A todo o momento que
pegamos no telefone, se quisermos.
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Ouvi
as rajadas dos que metralhavam a torto e a direito, cérebros lavados ao longo
de anos para fuzilar em série, para verem qualquer palestiniano como muito
menos do que os belos animais que
àquela hora talvez se passeassem por Telavive.
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Por vezes, pela trela de humanos veganos
incapazes de comer até um ovo, militantes contra o sofrimento dos animais.
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Sabemos
que o Mal abriu uma vala comum, enterrou 15, alguns talvez ainda vivos, depois
destruiu as ambulâncias e também as enterrou.
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O Mal reconheceu
que mentira, como há um ano e meio mente. Há 58 anos mente. Há 77 anos
mente. A guerra de há mais de cem anos contra a Palestina.
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A vala
comum dos paramédicos foi só aquele momento em que o ponteiro bate no zénite
porque vem de antes há muito. Há muitos mortos.
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Ao
longo deste ano e meio quis esperar que algo ainda acontecesse dentro dos
líderes europeus. Algo revelado por este Apocalipse. Tarde, insuficiente, mas
algo. Já não o espero agora.
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O
carniceiro procurado pela justiça foi à Hungria, que lhe estendeu o tapete
vermelho, pisou nas Nações Unidas, no Tribunal Penal Internacional. Continua a
ser União Europeia lá.
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E, à cabeça da União Europeia, o novel
chanceler já tem o seu tapete à espera do carniceiro.
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Que Nações Unidas? Que Direitos Humanos?
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Vemos sobre-humanos na Palestina que
continuamente nos dão provas de vida e do que a mata.
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Vemos o desfecho do sionismo, esse fruto
monstruoso do monstruoso anti-semitismo europeu.
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Vemos os menos-que-humanos que sois vós, os untermensch: todos os eleitos que nada fizeram desde 7 de Outubro.
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[Os] que atacam pró-palestinianos hoje como
atacaram judeus ontem e continuam a atacá-los hoje.
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Que censuram, agridem, prendem, deportam.
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Os que se tornam nazis no meu tempo de vida.
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Enquanto os EUA, também usando judeus como
arma, assistem à sua própria derrocada.
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[Tenho
57 anos] tive a sorte de ainda ter visto a URSS, saber o Mal que era. Não ter
dúvidas sobre o Mal que Putin é. Que a Arábia Saudita é. Que o Irão é.
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O Irão ser o aliado da Palestina é a vergonha
da Europa.
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A Europa é a vergonha da democracia, sua
suposta mãe e sua coveira.
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Do
ponto de vista de quem nasceu aqui [em Gaza], é que a Europa gerou este último
resquício do colonialismo, o alimenta em contínuo, é a sua escrava e agora
vemos tudo em directo.
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Nunca a Europa desceu tão baixo, caiu tanto
para o mundo.
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A vala comum dos 15 paramédicos é a vossa. A vala comum da Palestina é a
vossa.
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Escrevo
em plena campanha eleitoral para o que será o terceiro governo português desde
o 7 de Outubro. Ainda vou votar. Ainda acredito na democracia.
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Sou essa privilegiada, ainda.
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E porque haveremos nós, que vemos Gaza em toda
a parte, deixar a Europa aos coveiros da Europa?
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Ao vosso racismo, ou cobardia sem remédio, 18
mil crianças (ou sabemos lá quantas mais) não mudaram nada até hoje.
Alexandra Lucas
Coelho, “Público” (sem link)
Muitos
escreveram já sobre aquilo que, só a reboque deste caso [da violação de uma
jovem de 16 anos em Loures], é agora óbvio: a desumanização crescente das
relações entre os adolescentes. Acrescento: e crianças também.
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A relação de causa-efeito é, com mais este caso
de Loures, sintoma de que vivemos numa sociedade profundamente doente.
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É
precisamente a ditadura digital a causa directa dessa violência e dessa
brutalização da vida adolescente. E, acrescente-se, da vida adulta.
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[A
geração Z é] uma geração que, nascida e criada em plena "revolução
digital", não concebe o seu quotidiano sem tecnologia (o tecno-fascismo,
como quero afirmar).
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Geração, portanto, que passa milhares de horas
em contacto com essa arma de destruição maciça do pensamento e da sensibilidade.
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A
profusão de plataformas onde a superficialidade, a pornografia, a coscuvilhice,
a maldade, a mentira são o único interesse e o único produto a consumir.
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[Há
uma] relação mortal entre esse consumo dos conteúdos digitais e uma forma de
existir que, entre os nossos adolescentes, é inimiga de uma vida saudável.
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Os pais (…) ainda não compreenderam que os
filhos estão vivendo uma verdadeira guerra entre a vida e a morte.
(…)
[Influencers] são,
eles próprios, a encarnação da estupidez e da boçalidade, do oportunismo e da
preguiça.
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Que
poder está a ser dado a esta massa de gente ignara, mal formada, cujo único
interesse é fazer dinheiro – os ditos influencers?
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Devemos perguntar-nos também se não há uma
ideologia da morte a corroer a nossa vida colectiva.
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A adolescência está corrompida por nós: pais e
governantes, empresas e ideologia do dinheiro.
(…)
[Àqueles]
que têm hoje entre os 12 e os 22, 25 anos, é o acesso à banalidade, à mais
nefanda vida que gira em torno do consumismo acrítico de tudo quanto este
sistema demoliberal (demoníaco e liberal, apetece dizer) oferece.
(…)
O acesso total às redes sociais mata. Mata a
democracia, mata o resto de humano que ainda temos.
António Carlos
Cortez, “Público” (sem link)