No dia de
mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a imprensa
portuguesa assinalou a data, entre outras formas, através de um número
assinalável de artigos de opinião. Aquele que escolhemos para sinalizar este
dia não foi ao acaso. O autor do texto seguinte que recolhemos do “Público” de
hoje é exatamente Paulo A. Neto, Diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal,
uma personalidade que merece todo o nosso respeito assim como a organização que
dirige.
Em linhas
gerais, Paulo Neto coloca, neste dia, especial ênfase no direito à saúde, compreensivelmente,
devido aos desafios que a pandemia global coloca a toda a Humanidade. Vivemos
tempos em que “o direito à
saúde foi o direito humano mais colocado em causa”. Subscrevemos inteiramente
esta afirmação assim como aquelas que referem outros direitos económicos e sociais
básicos. “À sombra da pandemia”
foi crescendo o discurso do ódio e a perseguição aos defensores dos direitos
humanos e da justiça climática. Também os recursos naturais continuaram a “ser
submetidos ao interesse financeiro desenfreado”.
Trata-se, pois, de um texto que
merece uma leitura atenta apesar da forma sintética com que aborda a situação atual
da defesa dos direitos humanos.
Vivemos um ano de respiração em
suspenso. Está quase no fim, mas quando se iniciar 2021 nada vai mudar apenas
por registo de calendário. É preciso mais. É preciso que, neste dia em que se
assinalam os 72 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
voltemos a recentrá-los como um programa social, nacional e internacional,
protegido pela lei e vivido em plenitude. Os direitos humanos são o nosso mapa,
a nossa bússola para um mundo melhor.
Há um ano, não podíamos imaginar
que uma
pandemia global colocaria à Humanidade um dos maiores desafios
do presente. Mas, na verdade, foram poucos os novos problemas que a pandemia
criou; antes, aqueles que já existiam acabaram por ser agravados.
O direito à saúde foi o direito humano
mais colocado em causa. A pandemia causou estrago e evidenciou – tanto em
Portugal como no resto do mundo – a fragilidade dos sistemas de saúde e o
acesso a estes. Para ser universal, há ainda muito a fazer.
A crise de saúde pública foi seguida de uma crise económica e social devastadora para milhões de pessoas. Sobretudo para quem sofre mais de perto o fenómeno da multidiscriminação, aguentando abusos de direitos humanos sob várias perspetivas. Uma mulher, pobre e negra, em Portugal, sofre três camadas de discriminação sob a sua vida, quando uma já seria demais.
Foram
as pessoas em circunstância de maior vulnerabilidade, que vivem nas margens
esquecidas e mais pobres da humanidade, as que mais sofreram e mais expostas
estiveram à pandemia em todo o mundo.Por
falta de habitação condigna, por trabalhos mais precários e sem possibilidade
de parar ou de fazer teletrabalho.
Mesmo com a esperança da
vacina, serão estas pessoas que terão mais dificuldades no seu
acesso.
Os países mais ricos já reservaram doses para vacinar as suas populações quase três vezes, enquanto 67 das nações mais pobres só vão conseguir vacinar uma em cada dez pessoas.
Todas as doses da Moderna e 96% da Pfizer/BioNTech foram reservadas pelos países mais ricos. Num contraste positivo, a Oxford/AstraZeneca declarou que 64% das suas doses estariam reservadas a países em desenvolvimento económico. Mas uma, duas ou mesmo três farmacêuticas não conseguirão fornecer rapidamente a população mundial em número suficiente para atingirmos a imunidade desejada. A Amnistia Internacional, em conjunto com outras organizações, apela a que a tecnologia e a propriedade intelectual sobre as vacinas sejam partilhadas com a Organização Mundial da Saúde para que se consigam produzir mais doses, com segurança e eficácia, e que estas possam chegar a quem precisa e não apenas a quem pode pagar.
Além da saúde, outros direitos económicos e sociais foram colocados em causa: a segurança alimentar, a habitação e a educação, evidenciando a situação de fragilidade, sobretudo de mulheres em contexto de violência doméstica, crianças, refugiados e pessoas deslocadas à procura de uma melhor vida. Todos sofreram, desde os civis que fogem das guerras no Iémen, na Etiópia ou na Síria, até quem busca trabalho e outras condições para se afastar da miséria económica e da pobreza.
À sombra da pandemia, muitos direitos civis e políticos foram abalados. O discurso de ódio e extremado ganhou terreno, ainda que tenha estado em silêncio latente na hora da construção de soluções face à crise sanitária, pois os ódios nada têm a dar no campo das soluções.
De Hong Kong à Amazónia, vários defensores e defensoras de direitos humanos viram a sua vida em risco e foram detidos ou vítimas da repressão brutal das autoridades. Também a justiça climática perdeu terreno à sombra da pandemia. Sem um ambiente e planeta saudáveis, os recursos naturais de que precisamos para viver estão em causa. Mais: a saúde da humanidade estará em causa. Apesar disso, os recursos naturais continuam a ser submetidos ao interesse financeiro desenfreado. Na Amazónia, não se registava um ano com tanta área desflorestada desde 2008, chegando já a mais de 11 mil km².
Muito tem de mudar e para isso acontecer o mundo necessita de um tratado de esperança que nos devolva o sentido de uma humanidade que caminha em conjunto, depois desta corrida que tem sido o combate à pandemia. O mundo precisa de uma bússola que o oriente e recentre naquilo que é o mais essencial à vida humana e ao planeta. Os direitos humanos são esta bússola para uma humanidade em plenitude.
Vale a pena revisitar a Declaração, lê-la, compreender o seu programa e pensar modos de a implementar. É isto que se pede a todas as lideranças políticas, em todo o mundo. E isto cabe também à sociedade civil, ou seja, a cada um de nós. Ninguém pode ficar de fora.
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