Considero ser um exercício com utilidade pedagógica discutir
a substância da intervenção do economista Nuno Palma na reunião do Movimento Europa Liberdade
(MEL) ocorrida há dias.
(…)
Ficamos a perceber que para uma certa direita lusitana o
sagrado valor da liberdade de expressão só se aplica a ela mesma.
(…)
E não perceberem que o ridículo mata é o sintoma mais
evidente do impasse em que se encontram.
(…)
Política à parte, a ditadura teve um desempenho económico e
até social positivo e superior ao da democracia que se esforça por
ocultar esta realidade.
(…)
O subtexto essencial deste discurso é separar e com isso
marginalizar a “execranda política” do regime do seu modelo económico para poder
apresentar este último como de exemplar atualidade.
(…)
A ideia de que a “barrela” económica e social de que o país
precisa é incompatível com a subsistência da democracia está aí bem presente no
debate público.
(…)
É sabido que entre o final dos anos 20 (Salazar torna-se o
“ditador das finanças” em 1928) e o termo da II Guerra Mundial a economia
portuguesa conhece um desenvolvimento económico medíocre.
(…)
[O PIB per capita varia] entre o 1% e os 2%, com queda dos
salários reais, pobreza extrema, desemprego, taxa de analfabetismo acima dos
40% em 1950, cavados contrastes sociais.
(…)
É a política, o “saber durar” salazarista que comanda a
economia e arbitra os interesses quer quanto aos efeitos estagnantes, quer nos
surtos modernizantes.
(…)
A natureza política da ditadura é inseparável das estratégias
económicas e sociais que a sustentam.
(…)
Será, na história recente do país [desde a segunda metade dos
anos 50 até ao início dos anos 70], como vários autores têm salientado, o
período em que se verificou uma aproximação real em relação às outras economias
do Ocidente europeu.
(…)
[Trata-se de] um típico modelo de modernização
conservadora, isto é, de crescimento económico sem democracia
política, sem justiça social e sem sustentabilidade a prazo.
(…)
Ao contrário do que sugere o economista Nuno Palma, a
violência política antidemocrática e anti-social está no centro do modelo de
modernização económica tardia do regime.
(…)
Por isso mesmo, os efeitos do modelo não são só os que os
números agregados das estatísticas revelam.
(…)
A verdade é que a economia continuou a depender
principalmente das indústrias tradicionais.
(…)
Mesmo nas novas “indústrias de base”, protegidas pela
supressão da concorrência, o seu arranque é marcado por pesadas ineficiências.
(…)
Precisamente uma das características marcantes desta
modernização conservadora é que o crescimento global do produto e do rendimento
não impediu a manutenção de profundas desigualdades sociais a todos os níveis,
só explicáveis pela natureza económica e política do regime.
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Ao chegar a 1973, o salário médio nacional era 25% do alemão,
29% do francês e menos de metade do espanhol.
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As famílias mais ricas (4,9 % do total) concentravam um
quarto do rendimento familiar global.
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36% dos alojamentos familiares não tinham luz elétrica e 41%
não dispunham de saneamento básico.
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A taxa de mortalidade infantil rondava os 50%0
(permilagem) e era a mais alta da Europa.
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Com cerca de 29% de analfabetos em 1970, Portugal só era
ultrapassado pela Turquia.
(…)
Entre 1960 e 1973 emigram mais de um milhão e meio de
portugueses, fugindo à pobreza ou à guerra.
(…)
Como se fosse possível, por estranha magia, separar a
economia do regime salazarista da ditadura que pesou sobre o país durante quase
meio século do século XX.
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